Entre facas, algodão, de João Almino, por Miguel Sanches Neto

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Que livro bonito.

A viagem de volta, uma das obsessões de quem deixou o interior, tratada com grande delicadeza. Para chegar à conclusão do que racionalmente sabemos, mas que nossas emoções turvam, que ela é uma miragem. Nunca se banha duas vezes no rio do tempo.

Enquanto lia, desde o início, pensava que havia capturado o tom de Memorial de Aires, de nosso pai-Machado. Nos dois livros, há um tom suave da resignação. Embora haja motivos do narrador para a revolta, para a indignação, ele mantém-se frio, lacônico, distante. Ele não se distancia apenas fisicamente de Várzea Pacífica, mas emocionalmente. E é pacífico o estilo.

O modelo de diário, que poderia levar a efusões, é, tal como em Memorial de Aires, um exercício de aceitação das vicissitudes da vida.

Por outro lado, o romance que vê inviável o passado é um elogio de Brasília, porto final do narrador, continuidade de sua história.

Os últimos parágrafos atingem uma beleza filosófica que explica o tom do livro.

Miguel Sanches Neto