Leituras da Bel Entrevista: João Almino
O Povo, Fortaleza, 17/11/2017
ENTREVISTA
João Almino não gosta de se repetir. Com sete romances lançados, o escritor natural de Mossoró, no Rio Grande do Norte, vive uma eterna busca – do ponto de vista técnico e da arquitetura das narrativas – para estruturar mudanças nos textos. Escrever – ele afirma, em entrevista ao Leituras da Bel por email – é sempre difícil. O autor de 67 anos lança seu novo livro – Entre Facas, Algodão, publicado pela Editora Record – em Fortaleza. Leia entrevista exclusiva com o autor:
Leituras da Bel – Como o novo livro se distingue dos anteriores?
João Almino – Gosto de não me repetir, até do ponto de vista técnico e da arquitetura do livro. Mesmo quando um romance traz personagens do romance anterior, as perspectivas são outras, e a escolha do narrador impõe mudanças na linguagem. Em Entre facas, algodão, espero ter conseguido usar uma linguagem radicalmente enxuta. Estruturei o livro não apenas como uma espécie de diário, nem só como relato de viagem ou ainda como memórias. O que o caracteriza é a mescla desses componentes. Ou seja, nele o calendário marca a descrição da viagem na qual o personagem rememora, de maneira falha, lugares e pessoas do passado que quer reencontrar. Fugi também, espero, de uma relato de volta às origens, por acreditar que elas não existem (descobrem-se outros começos por trás dos começos) e que a viagem é sempre de ida, com altos e baixos e surpresas pelo caminho. Embora o Nordeste estivesse presente nos meus romances anteriores, inclusive através de personagens centrais, e eu já tivesse escrito cinco romances em primeira pessoa (com narradores muito diferentes um do outro), esta é a primeira vez que um romance meu em primeira pessoa tem um narrador nordestino.
Leituras da Bel – Após receber tantos prêmios e indicações, o senhor sente pressão da crítica e do público? Caso sim, como lida com isso?
João – Não chamaria de pressão. Até hoje a crítica tem sido generosa para com minha literatura. Quanto ao novo romance, ainda é cedo para dizer, pois mal começam a sair as resenhas. Respeito muito a função da crítica. Quanto ao público, somente me incomoda não poder sempre dar a atenção que gostaria a todos os que me procuram.
Leituras da Bel – Nós temos, no Brasil, diplomatas que exerceram o ofício da escrita. Um exemplo clássico é João Guimarães Rosa. Como o senhor concilia as duas funções? O trabalho serve de fonte para as criações literárias?
João – Diretamente, não. E separo as duas atividades, inclusive quanto aos horários dedicados a uma e outra. Tenho repetido que não sou escritor enquanto diplomata, nem diplomata enquanto escritor. Mas não há dúvida que é enriquecedor o contato com outras culturas. No meu caso, a bagagem acumulada da vivência noutros países e o conhecimento travado com certas literaturas e escritores creio que me abriram novos horizontes, embora o foco de meus romances tenha sido o Brasil. Talvez a distância nos faça ver o país menos em suas partes do que no seu todo, e por isso mesmo eu tenha procurado, ao longo de vários romances, escrever sobre uma espécie de Brasil de brasis.
Leituras da Bel – Como é o contato com os leitores? O senhor utiliza novas plataformas – como as redes sociais – para interagir com o público?
João – Não de maneira intensa. Tenho um “site” há muitos anos. Ali somente incluo informações mais permanentes sobre meu trabalho literário, nunca notícias sobre minhas atividades, o que seria mais apropriado a um blog diariamente atualizado. Pois bem, passei a usar o Facebook como uma espécie de blog voltado a essas atividades literárias, o que fiz também em parte para suprir a curiosidade de alguns de meus leitores mais fiéis.
Leituras da Bel – Há uma forte marca nas suas produções: o uso de dispositivos tecnológicos de forma muito natural. Como acontece o processo de incorporar esses elementos?
João – A literatura, creio, pode e deve retratar as mudanças do mundo em que vivemos. Na medida em que esses dispositivos sejam parte de nosso cotidiano, é natural que entrem nas histórias que narramos.
Leituras da Bel – O senhor enxerga o Nordeste brasileiro em suas obras? Há um estereótipo para a escrita dos autores vindos do Nordeste?
João – O que é historicamente verdadeiro é que, após o movimento modernista do século passado, a literatura nordestina teve um momento de grande expressão, vista por muitos como regionalista, embora possamos entender a obra de um Graciliano Ramos principalmente como universal. Certamente essa tradição, da qual participaram grandes autores, deixou a sua marca forte. Mas não se pode falar de um estereótipo para a escrita dos autores nordestinos.
Leituras da Bel – Hoje, pensando a produção contemporânea brasileira, é possível falar em literatura regional?
João – Há com certeza literatura regional, embora em cada região se encontrem também autores que fogem a essa classificação. A literatura contemporânea é muito diversificada, mesmo dentro de cada região.
Leituras da Bel – Como as paisagens de Fortaleza foram inseridas em Entre Facas, Algodão?
João – O único aspecto autobiográfico de meu novo romance está na descrição de paisagens, que são todas minhas conhecidas. A cidadezinha onde se passa uma parte da história é produto de pura invenção, mas para inventá-la tentei me recordar de pequenas cidades do interior nordestino por onde passei. No caso de Fortaleza, onde vivi durante oito anos, rememorei cenários, recriei outros e imaginei casas e ruas que correspondessem, da forma mais verossímil possível, aos personagens.
Leituras da Bel – Escrever é difícil? Escrever é uma tortura?
João – Para mim em nenhum momento é tortura, mas acho sempre difícil, principalmente no trabalho de ficção e no começo do processo de elaborar um novo romance. Mas, uma vez o texto pronto para as revisões de linguagem, o trabalho que se segue é sobretudo prazeroso. E é nesse trabalho que passo a maior parte do tempo.
Serviço
Lançamento de Entre facas, algodão
192 páginas
Quanto: R$ 39,90
Editora Record
Quando: sábado, 18 de novembro, às 19 horas
Onde: Livraria Leitura do Shopping Riomar (rua Desembargador Lauro Nogueira, 1500 – Papicu)
Isabel Costa
SOBRE ISABEL COSTA
REPÓRTER DO VIDA&ARTE, ESPECIALISTA EM SEMIÓTICA E LITERATURA PELA UECE. É APAIXONADA POR LITERATURA BRASILEIRA, NOVOS AUTORES, PUBLICAÇÕES ARTESANAIS E CULTURA POP. PARA FALAR COMIGO: LEITURASDABEL@GMAIL.COM