Entrevista do autor sobre “O Livro das Emoções”Entrevista do autor sobre “O Livro das Emoções”Entrevista do autor sobre “O Livro das Emoções”Entrevista do autor sobre “O Livro das Emoções”

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O escritor e diplomata João Almino ampliou sua Trilogia de Brasília, composta pelos romances “Idéias para onde passar o fim do mundo” (indicado ao Prêmio Jabuti, e ganhador de prêmio do Instituto Nacional do Livro e do Prêmio Candango de Literatura), “Samba-enredo” e “As cinco estações do amor” – que recebeu o prêmio Casa de las Américas em 2003. Com “O Livro das Emoções”, a cidade volta a ser enfocada mais do que apenas como o palco das ações deflagradas pelo narrador, um fotógrafo cego, empenhado em editar um diário fotográfico. Nascido em 1950 em Mossoró, no Rio Grande do Norte, especialista em história e filosofia política e apaixonado por fotografia, João Almino já foi professor nas universidades Nacional do México, Nacional de Brasília, Berkeley e Stanford, além do Instituto Rio Branco. A movimentada atividade profissional, no entanto, jamais serviu de inspiração literária: “Há quem tenha histórias pessoais extraordinárias para contar. Se eu tentasse narrar minha vida, com suas horas absorvidas com o trabalho, a família e a própria escrita, os leitores morreriam de tédio”, afirma.

1 ) Por que Brasília volta a ser cenário de uma história sua? O que Brasília representa, além de poder, corrupção, vazio existencial?
Algumas das características de Brasília são estimulantes para a literatura: sua artificialidade, seu caráter universal – por ser fruto de um projeto modernista que transcende as fronteiras nacionais – e seu desenraizamento, sua desfamilizariação e seu estrangeirismo, que, no fundo, tornam mais fácil ao escritor eliminar os estereótipos. Acho interessante pensar a idéia de uma identidade múltipla e em aberto, de um local onde as origens podem parecer o que são de fato: mitos ou referências em mutação, de uma cultura que não seja um corpo normativo, uma moral ou uma coleção de pensamentos congelados; de uma cidade que, por não ter ainda um longo passado, recebe os legados de memórias também múltiplas. O vazio não apenas de espaço, mas também de história, no fundo legitimiza a liberdade de imaginação. Tudo isso explica que a trilogia tenha virado um Quarteto de Brasília.

2 ) O protagonista cego e fotógrafo, cineastas e artistas ligados à expressão visual são referências do livro. Por quê?
Trata-se de um livro sobre visualidade e memória. As expressões visuais estão de fato presentes ao longo do livro. E as referências me ajudam a enriquecer uma das dimensões reflexivas do livro.

3 ) O personagem cego simboliza um Brasil que se recusa a enxergar sua própria pequenez – ou sua grandeza?
Espero que se possa fazer do livro uma leitura mais ampla do País em que vivemos, como a que você propõe. Num plano mais rasteiro, a escolha de um personagem cego para descrever o que se vê e o que não se vê serve também ao propósito de radicalizar alguns temas do que eu poderia chamar de ensaio fotográfico contido no romance, bem como revelar conexões entre visualidade, imaginação e memória.

4) Como o senhor concebeu este livro?
Há tempos havia pensado em desenvolver melhor este personagem principal, que já vem de livros anteriores. Ao mesmo tempo, tinha interesse em refletir sobre o visível e o invisível. Fui montando a história aos poucos, imaginando as fotos que dariam movimento à narrativa e procurando trabalhar em dois tempos, o do presente e o da memória.

5) O protagonista é um fotógrafo – como o senhor: quanto de autobiográfico há no livro?
Na história propriamente dita, em nada mesmo. Sempre procurei desenvolver personagens muito diferentes de mim ou até mesmo narradores ou personagens inusitados, como o computador de “Samba-Enredo”. A narradora de “As Cinco Estações” era uma mulher. Neste caso, o personagem é masculino e fotógrafo e coincido com o narrador na reflexão sobre a fotografia, algo que desejava fazer já há algum tempo.

6 ) Como é sua rotina para escrever? O senhor tem alguma rotina para escrever, alguma disciplina, um horário determinado ou escreve quando surge oportunidade?
Sem disciplina, eu não teria tempo para produzir uma só linha. Escrevo algo todos os dias, nas primeiras horas da manhã. Depois, mais nada. Se tenho tempo, leio à noite.

7 ) Quanto tempo demora para concluir um romance?
Menos por cálculo do que por coincidência, meus romances tiveram um intervalo exato de sete anos entre um e outro, e esse foi o tempo que levei também para preparar o primeiro.

8 ) As histórias “se escrevem” sozinhas ou o senhor pensa na trama inteira, seguindo depois um esquema previamente traçado?
Sempre começo tendo pensado uma trama inteira, que vai se modificando à medida que o texto avança. No final, às vezes resta muito pouco da trama inicial. E quando chego a um final possível, levo muito mais tempo para reescrever do que para escrever.

9 ) De onde vem a inspiração?
De leituras que faço, de histórias que ouço, de idéias que tenho e que vou anotando, de uma palavra que leva a outra palavra, ou seja, do movimento mesmo da escrita.

10 ) Como a literatura entrou em sua vida? E a fotografia?
A literatura entrou na minha vida cedo e sempre devagar. Ainda na infância e na adolescência fiz tentativas frustradas de escrever páginas de ficção. Meu pai, apesar de ser um autodidata, tinha uma biblioteca muito pequena, mas boa, que me ajudou a criar o interesse. Nos primeiros livros acabei me dedicando mais à não-ficção, seja para cumprir obrigações acadêmicas, seja porque acreditava haver uma urgência no que eu tinha para dizer (por exemplo, durante o regime militar).Quanto à fotografia, substituiu uma paixão juvenil pela pintura. Em 1974, eu mesmo revelava fotos em preto e branco num laboratório caseiro. Nunca perdi o interesse pela fotografia.

11 ) Quais são os escritores que prefere? E fotógrafos?
Para ficar apenas nos clássicos, que já são muitos, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Proust e Borges são autores que releio e releio, como os padres ou monges fazem com seus breviários. Mas a lista, mesmo dos clássicos, poderia ser bem mais extensa, e teria de incluir também pelo menos Dostoievski, João Cabral e Rulfo. Quanto a fotógrafos, ficando também com os clássicos: Stieglitz, Man Ray, Edward Weston, Kertész, Alvarez Bravo, Brassaï e, claro, Cartier Bresson.

12 ) Como o senhor concilia as duas carreiras?
Ambas fazem parte de minha vida, como respirar ou me exercitar. Mas enquanto a escrita é uma atividade diária, a fotografia é uma atividade rara, pois somente faço fotos quando tenho uma idéia clara na cabeça e encontro no meu caminho as imagens que a confirmam.

O escritor e diplomata João Almino ampliou sua Trilogia de Brasília, composta pelos romances “Idéias para onde passar o fim do mundo” (indicado ao Prêmio Jabuti, e ganhador de prêmio do Instituto Nacional do Livro e do Prêmio Candango de Literatura), “Samba-enredo” e “As cinco estações do amor” – que recebeu o prêmio Casa de las Américas em 2003. Com “O Livro das Emoções”, a cidade volta a ser enfocada mais do que apenas como o palco das ações deflagradas pelo narrador, um fotógrafo cego, empenhado em editar um diário fotográfico. Nascido em 1950 em Mossoró, no Rio Grande do Norte, especialista em história e filosofia política e apaixonado por fotografia, João Almino já foi professor nas universidades Nacional do México, Nacional de Brasília, Berkeley e Stanford, além do Instituto Rio Branco. A movimentada atividade profissional, no entanto, jamais serviu de inspiração literária: “Há quem tenha histórias pessoais extraordinárias para contar. Se eu tentasse narrar minha vida, com suas horas absorvidas com o trabalho, a família e a própria escrita, os leitores morreriam de tédio”, afirma.

1 ) Por que Brasília volta a ser cenário de uma história sua? O que Brasília representa, além de poder, corrupção, vazio existencial?
Algumas das características de Brasília são estimulantes para a literatura: sua artificialidade, seu caráter universal – por ser fruto de um projeto modernista que transcende as fronteiras nacionais – e seu desenraizamento, sua desfamilizariação e seu estrangeirismo, que, no fundo, tornam mais fácil ao escritor eliminar os estereótipos. Acho interessante pensar a idéia de uma identidade múltipla e em aberto, de um local onde as origens podem parecer o que são de fato: mitos ou referências em mutação, de uma cultura que não seja um corpo normativo, uma moral ou uma coleção de pensamentos congelados; de uma cidade que, por não ter ainda um longo passado, recebe os legados de memórias também múltiplas. O vazio não apenas de espaço, mas também de história, no fundo legitimiza a liberdade de imaginação. Tudo isso explica que a trilogia tenha virado um Quarteto de Brasília.

2 ) O protagonista cego e fotógrafo, cineastas e artistas ligados à expressão visual são referências do livro. Por quê?
Trata-se de um livro sobre visualidade e memória. As expressões visuais estão de fato presentes ao longo do livro. E as referências me ajudam a enriquecer uma das dimensões reflexivas do livro.

3 ) O personagem cego simboliza um Brasil que se recusa a enxergar sua própria pequenez – ou sua grandeza?
Espero que se possa fazer do livro uma leitura mais ampla do País em que vivemos, como a que você propõe. Num plano mais rasteiro, a escolha de um personagem cego para descrever o que se vê e o que não se vê serve também ao propósito de radicalizar alguns temas do que eu poderia chamar de ensaio fotográfico contido no romance, bem como revelar conexões entre visualidade, imaginação e memória.

4 ) Como o senhor concebeu este livro?
Há tempos havia pensado em desenvolver melhor este personagem principal, que já vem de livros anteriores. Ao mesmo tempo, tinha interesse em refletir sobre o visível e o invisível. Fui montando a história aos poucos, imaginando as fotos que dariam movimento à narrativa e procurando trabalhar em dois tempos, o do presente e o da memória.

5 ) O protagonista é um fotógrafo – como o senhor: quanto de autobiográfico há no livro?
Na história propriamente dita, em nada mesmo. Sempre procurei desenvolver personagens muito diferentes de mim ou até mesmo narradores ou personagens inusitados, como o computador de “Samba-Enredo”. A narradora de “As Cinco Estações” era uma mulher. Neste caso, o personagem é masculino e fotógrafo e coincido com o narrador na reflexão sobre a fotografia, algo que desejava fazer já há algum tempo.

6 ) Como é sua rotina para escrever? O senhor tem alguma rotina para escrever, alguma disciplina, um horário determinado ou escreve quando surge oportunidade?
Sem disciplina, eu não teria tempo para produzir uma só linha. Escrevo algo todos os dias, nas primeiras horas da manhã. Depois, mais nada. Se tenho tempo, leio à noite.

7 ) Quanto tempo demora para concluir um romance?
Menos por cálculo do que por coincidência, meus romances tiveram um intervalo exato de sete anos entre um e outro, e esse foi o tempo que levei também para preparar o primeiro.

8 ) As histórias “se escrevem” sozinhas ou o senhor pensa na trama inteira, seguindo depois um esquema previamente traçado?
Sempre começo tendo pensado uma trama inteira, que vai se modificando à medida que o texto avança. No final, às vezes resta muito pouco da trama inicial. E quando chego a um final possível, levo muito mais tempo para reescrever do que para escrever.

9 ) De onde vem a inspiração?
De leituras que faço, de histórias que ouço, de idéias que tenho e que vou anotando, de uma palavra que leva a outra palavra, ou seja, do movimento mesmo da escrita.

10 ) Como a literatura entrou em sua vida? E a fotografia?
A literatura entrou na minha vida cedo e sempre devagar. Ainda na infância e na adolescência fiz tentativas frustradas de escrever páginas de ficção. Meu pai, apesar de ser um autodidata, tinha uma biblioteca muito pequena, mas boa, que me ajudou a criar o interesse. Nos primeiros livros acabei me dedicando mais à não-ficção, seja para cumprir obrigações acadêmicas, seja porque acreditava haver uma urgência no que eu tinha para dizer (por exemplo, durante o regime militar).Quanto à fotografia, substituiu uma paixão juvenil pela pintura. Em 1974, eu mesmo revelava fotos em preto e branco num laboratório caseiro. Nunca perdi o interesse pela fotografia.

11 ) Quais são os escritores que prefere? E fotógrafos?
Para ficar apenas nos clássicos, que já são muitos, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Proust e Borges são autores que releio e releio, como os padres ou monges fazem com seus breviários. Mas a lista, mesmo dos clássicos, poderia ser bem mais extensa, e teria de incluir também pelo menos Dostoievski, João Cabral e Rulfo. Quanto a fotógrafos, ficando também com os clássicos: Stieglitz, Man Ray, Edward Weston, Kertész, Alvarez Bravo, Brassaï e, claro, Cartier Bresson.

12 ) Como o senhor concilia as duas carreiras?
Ambas fazem parte de minha vida, como respirar ou me exercitar. Mas enquanto a escrita é uma atividade diária, a fotografia é uma atividade rara, pois somente faço fotos quando tenho uma idéia clara na cabeça e encontro no meu caminho as imagens que a confirmam.

O escritor e diplomata João Almino ampliou sua Trilogia de Brasília, composta pelos romances “Idéias para onde passar o fim do mundo” (indicado ao Prêmio Jabuti, e ganhador de prêmio do Instituto Nacional do Livro e do Prêmio Candango de Literatura), “Samba-enredo” e “As cinco estações do amor” – que recebeu o prêmio Casa de las Américas em 2003. Com “O Livro das Emoções”, a cidade volta a ser enfocada mais do que apenas como o palco das ações deflagradas pelo narrador, um fotógrafo cego, empenhado em editar um diário fotográfico. Nascido em 1950 em Mossoró, no Rio Grande do Norte, especialista em história e filosofia política e apaixonado por fotografia, João Almino já foi professor nas universidades Nacional do México, Nacional de Brasília, Berkeley e Stanford, além do Instituto Rio Branco. A movimentada atividade profissional, no entanto, jamais serviu de inspiração literária: “Há quem tenha histórias pessoais extraordinárias para contar. Se eu tentasse narrar minha vida, com suas horas absorvidas com o trabalho, a família e a própria escrita, os leitores morreriam de tédio”, afirma.

1 ) Por que Brasília volta a ser cenário de uma história sua? O que Brasília representa, além de poder, corrupção, vazio existencial?
Algumas das características de Brasília são estimulantes para a literatura: sua artificialidade, seu caráter universal – por ser fruto de um projeto modernista que transcende as fronteiras nacionais – e seu desenraizamento, sua desfamilizariação e seu estrangeirismo, que, no fundo, tornam mais fácil ao escritor eliminar os estereótipos. Acho interessante pensar a idéia de uma identidade múltipla e em aberto, de um local onde as origens podem parecer o que são de fato: mitos ou referências em mutação, de uma cultura que não seja um corpo normativo, uma moral ou uma coleção de pensamentos congelados; de uma cidade que, por não ter ainda um longo passado, recebe os legados de memórias também múltiplas. O vazio não apenas de espaço, mas também de história, no fundo legitimiza a liberdade de imaginação. Tudo isso explica que a trilogia tenha virado um Quarteto de Brasília.

2 ) O protagonista cego e fotógrafo, cineastas e artistas ligados à expressão visual são referências do livro. Por quê?
Trata-se de um livro sobre visualidade e memória. As expressões visuais estão de fato presentes ao longo do livro. E as referências me ajudam a enriquecer uma das dimensões reflexivas do livro.

3 ) O personagem cego simboliza um Brasil que se recusa a enxergar sua própria pequenez – ou sua grandeza?
Espero que se possa fazer do livro uma leitura mais ampla do País em que vivemos, como a que você propõe. Num plano mais rasteiro, a escolha de um personagem cego para descrever o que se vê e o que não se vê serve também ao propósito de radicalizar alguns temas do que eu poderia chamar de ensaio fotográfico contido no romance, bem como revelar conexões entre visualidade, imaginação e memória.

4 ) Como o senhor concebeu este livro?
Há tempos havia pensado em desenvolver melhor este personagem principal, que já vem de livros anteriores. Ao mesmo tempo, tinha interesse em refletir sobre o visível e o invisível. Fui montando a história aos poucos, imaginando as fotos que dariam movimento à narrativa e procurando trabalhar em dois tempos, o do presente e o da memória.

5 ) O protagonista é um fotógrafo – como o senhor: quanto de autobiográfico há no livro?
Na história propriamente dita, em nada mesmo. Sempre procurei desenvolver personagens muito diferentes de mim ou até mesmo narradores ou personagens inusitados, como o computador de “Samba-Enredo”. A narradora de “As Cinco Estações” era uma mulher. Neste caso, o personagem é masculino e fotógrafo e coincido com o narrador na reflexão sobre a fotografia, algo que desejava fazer já há algum tempo.

6 ) Como é sua rotina para escrever? O senhor tem alguma rotina para escrever, alguma disciplina, um horário determinado ou escreve quando surge oportunidade?
Sem disciplina, eu não teria tempo para produzir uma só linha. Escrevo algo todos os dias, nas primeiras horas da manhã. Depois, mais nada. Se tenho tempo, leio à noite.

7 ) Quanto tempo demora para concluir um romance?
Menos por cálculo do que por coincidência, meus romances tiveram um intervalo exato de sete anos entre um e outro, e esse foi o tempo que levei também para preparar o primeiro.

8 ) As histórias “se escrevem” sozinhas ou o senhor pensa na trama inteira, seguindo depois um esquema previamente traçado?
Sempre começo tendo pensado uma trama inteira, que vai se modificando à medida que o texto avança. No final, às vezes resta muito pouco da trama inicial. E quando chego a um final possível, levo muito mais tempo para reescrever do que para escrever.

9 ) De onde vem a inspiração?
De leituras que faço, de histórias que ouço, de idéias que tenho e que vou anotando, de uma palavra que leva a outra palavra, ou seja, do movimento mesmo da escrita.

10 ) Como a literatura entrou em sua vida? E a fotografia?
A literatura entrou na minha vida cedo e sempre devagar. Ainda na infância e na adolescência fiz tentativas frustradas de escrever páginas de ficção. Meu pai, apesar de ser um autodidata, tinha uma biblioteca muito pequena, mas boa, que me ajudou a criar o interesse. Nos primeiros livros acabei me dedicando mais à não-ficção, seja para cumprir obrigações acadêmicas, seja porque acreditava haver uma urgência no que eu tinha para dizer (por exemplo, durante o regime militar).Quanto à fotografia, substituiu uma paixão juvenil pela pintura. Em 1974, eu mesmo revelava fotos em preto e branco num laboratório caseiro. Nunca perdi o interesse pela fotografia.

11 ) Quais são os escritores que prefere? E fotógrafos?
Para ficar apenas nos clássicos, que já são muitos, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Proust e Borges são autores que releio e releio, como os padres ou monges fazem com seus breviários. Mas a lista, mesmo dos clássicos, poderia ser bem mais extensa, e teria de incluir também pelo menos Dostoievski, João Cabral e Rulfo. Quanto a fotógrafos, ficando também com os clássicos: Stieglitz, Man Ray, Edward Weston, Kertész, Alvarez Bravo, Brassaï e, claro, Cartier Bresson.

12 ) Como o senhor concilia as duas carreiras?
Ambas fazem parte de minha vida, como respirar ou me exercitar. Mas enquanto a escrita é uma atividade diária, a fotografia é uma atividade rara, pois somente faço fotos quando tenho uma idéia clara na cabeça e encontro no meu caminho as imagens que a confirmam.

O escritor e diplomata João Almino ampliou sua Trilogia de Brasília, composta pelos romances “Idéias para onde passar o fim do mundo” (indicado ao Prêmio Jabuti, e ganhador de prêmio do Instituto Nacional do Livro e do Prêmio Candango de Literatura), “Samba-enredo” e “As cinco estações do amor” – que recebeu o prêmio Casa de las Américas em 2003. Com “O Livro das Emoções”, a cidade volta a ser enfocada mais do que apenas como o palco das ações deflagradas pelo narrador, um fotógrafo cego, empenhado em editar um diário fotográfico. Nascido em 1950 em Mossoró, no Rio Grande do Norte, especialista em história e filosofia política e apaixonado por fotografia, João Almino já foi professor nas universidades Nacional do México, Nacional de Brasília, Berkeley e Stanford, além do Instituto Rio Branco. A movimentada atividade profissional, no entanto, jamais serviu de inspiração literária: “Há quem tenha histórias pessoais extraordinárias para contar. Se eu tentasse narrar minha vida, com suas horas absorvidas com o trabalho, a família e a própria escrita, os leitores morreriam de tédio”, afirma.

1 ) Por que Brasília volta a ser cenário de uma história sua? O que Brasília representa, além de poder, corrupção, vazio existencial?
Algumas das características de Brasília são estimulantes para a literatura: sua artificialidade, seu caráter universal – por ser fruto de um projeto modernista que transcende as fronteiras nacionais – e seu desenraizamento, sua desfamilizariação e seu estrangeirismo, que, no fundo, tornam mais fácil ao escritor eliminar os estereótipos. Acho interessante pensar a idéia de uma identidade múltipla e em aberto, de um local onde as origens podem parecer o que são de fato: mitos ou referências em mutação, de uma cultura que não seja um corpo normativo, uma moral ou uma coleção de pensamentos congelados; de uma cidade que, por não ter ainda um longo passado, recebe os legados de memórias também múltiplas. O vazio não apenas de espaço, mas também de história, no fundo legitimiza a liberdade de imaginação. Tudo isso explica que a trilogia tenha virado um Quarteto de Brasília.

2 ) O protagonista cego e fotógrafo, cineastas e artistas ligados à expressão visual são referências do livro. Por quê?
Trata-se de um livro sobre visualidade e memória. As expressões visuais estão de fato presentes ao longo do livro. E as referências me ajudam a enriquecer uma das dimensões reflexivas do livro.

3 ) O personagem cego simboliza um Brasil que se recusa a enxergar sua própria pequenez – ou sua grandeza?
Espero que se possa fazer do livro uma leitura mais ampla do País em que vivemos, como a que você propõe. Num plano mais rasteiro, a escolha de um personagem cego para descrever o que se vê e o que não se vê serve também ao propósito de radicalizar alguns temas do que eu poderia chamar de ensaio fotográfico contido no romance, bem como revelar conexões entre visualidade, imaginação e memória.

4 ) Como o senhor concebeu este livro?
Há tempos havia pensado em desenvolver melhor este personagem principal, que já vem de livros anteriores. Ao mesmo tempo, tinha interesse em refletir sobre o visível e o invisível. Fui montando a história aos poucos, imaginando as fotos que dariam movimento à narrativa e procurando trabalhar em dois tempos, o do presente e o da memória.

5 ) O protagonista é um fotógrafo – como o senhor: quanto de autobiográfico há no livro?
Na história propriamente dita, em nada mesmo. Sempre procurei desenvolver personagens muito diferentes de mim ou até mesmo narradores ou personagens inusitados, como o computador de “Samba-Enredo”. A narradora de “As Cinco Estações” era uma mulher. Neste caso, o personagem é masculino e fotógrafo e coincido com o narrador na reflexão sobre a fotografia, algo que desejava fazer já há algum tempo.

6 ) Como é sua rotina para escrever? O senhor tem alguma rotina para escrever, alguma disciplina, um horário determinado ou escreve quando surge oportunidade?
Sem disciplina, eu não teria tempo para produzir uma só linha. Escrevo algo todos os dias, nas primeiras horas da manhã. Depois, mais nada. Se tenho tempo, leio à noite.

7 ) Quanto tempo demora para concluir um romance?
Menos por cálculo do que por coincidência, meus romances tiveram um intervalo exato de sete anos entre um e outro, e esse foi o tempo que levei também para preparar o primeiro.

8 ) As histórias “se escrevem” sozinhas ou o senhor pensa na trama inteira, seguindo depois um esquema previamente traçado?
Sempre começo tendo pensado uma trama inteira, que vai se modificando à medida que o texto avança. No final, às vezes resta muito pouco da trama inicial. E quando chego a um final possível, levo muito mais tempo para reescrever do que para escrever.

9 ) De onde vem a inspiração?
De leituras que faço, de histórias que ouço, de idéias que tenho e que vou anotando, de uma palavra que leva a outra palavra, ou seja, do movimento mesmo da escrita.

10 ) Como a literatura entrou em sua vida? E a fotografia?
A literatura entrou na minha vida cedo e sempre devagar. Ainda na infância e na adolescência fiz tentativas frustradas de escrever páginas de ficção. Meu pai, apesar de ser um autodidata, tinha uma biblioteca muito pequena, mas boa, que me ajudou a criar o interesse. Nos primeiros livros acabei me dedicando mais à não-ficção, seja para cumprir obrigações acadêmicas, seja porque acreditava haver uma urgência no que eu tinha para dizer (por exemplo, durante o regime militar).Quanto à fotografia, substituiu uma paixão juvenil pela pintura. Em 1974, eu mesmo revelava fotos em preto e branco num laboratório caseiro. Nunca perdi o interesse pela fotografia.

11 ) Quais são os escritores que prefere? E fotógrafos?
Para ficar apenas nos clássicos, que já são muitos, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Clarice Lispector, Proust e Borges são autores que releio e releio, como os padres ou monges fazem com seus breviários. Mas a lista, mesmo dos clássicos, poderia ser bem mais extensa, e teria de incluir também pelo menos Dostoievski, João Cabral e Rulfo. Quanto a fotógrafos, ficando também com os clássicos: Stieglitz, Man Ray, Edward Weston, Kertész, Alvarez Bravo, Brassaï e, claro, Cartier Bresson.

12 ) Como o senhor concilia as duas carreiras?
Ambas fazem parte de minha vida, como respirar ou me exercitar. Mas enquanto a escrita é uma atividade diária, a fotografia é uma atividade rara, pois somente faço fotos quando tenho uma idéia clara na cabeça e encontro no meu caminho as imagens que a confirmam.