Hélio Guimarães sobre HOMEM DE PAPEL

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SOBRE “HOMEM DE PAPEL”, LEIA ORELHA DO PROFESSOR HÉLIO GUIMARÃES, da Universidade de São Paulo:

O que diriam o conselheiro Aires, e Machado de Assis, sobre o estado de coisas no Brasil de hoje?

É essa a pergunta que parece mover a imaginação do escritor, e a do leitor, neste Seduções do Ocaso, o oitavo romance de João Almino.

O conselheiro Aires, que preside os dois últimos romances de Machado de Assis, é o narrador e protagonista aqui. Espiando de dentro das páginas do livro que habita há mais de século, e também em algumas escapadelas para o mundo exterior, ele passa em revista este nosso tempo regido pela ignorância e pela estupidez.

O exemplar que lhe serve de abrigo pertence a uma certa Flor, jovem diplomata, trigêmea de Hugo e Miguel. Neste caso, Flor não está dividida entre o amor de dois gêmeos, mas espremida entre dois irmãos em eterna rixa política.

O centro da ação desloca-se agora do Catete e do Botafogo para uma Brasília invadida por antas, esse animal tipicamente nacional, como o romance faz questão de frisar.

Os anos de transição da monarquia para a república, em que as personagens machadianas assistem, entre embasbacadas e indiferentes, tanto à abolição como à proclamação do novo regime, dão lugar à vertigem do agora.

A confusão generalizada não provoca muito mais do que bocejos no velho diplomata. Quando lhe perguntam como vê a atualidade, responde: “A lua está bonita”.

Aires, no entanto, não deixa de se espantar com a propaganda do Viagra, que lhe permitiria reescrever os velhos versos de Shelley e finalmente eliminar o “not” dos célebres versos “I can give not what men call love”.

Confrontado com as redes sociais, o conselheiro redivivo é obrigado a refazer as contas. Se no século 19 toda notícia crescia pelo menos de dois terços, agora cada notícia multiplica-se aos milhões, criando milhões e milhões de “verdades” em conflito.

Movendo-se entre a farsa, a paródia, a sátira e a tragicomédia, João Almino aciona com maestria muitas notas do cômico, provocando estampidos de riso, risadas malévolas, esgares e certamente muito sorriso amarelo.

O riso afasta qualquer sugestão de que o passado fosse muito melhor do que o presente. Continua valendo aqui, como em Machado, a convicção de que ciúmes, traições, medo, orgulho, vaidade até mudam de endereço, mas mantêm o frescor do primeiro pé de alface que nossos ancestrais arrancaram da Terra.

Assim, basta raspar de leve o tênue verniz que recobre as personagens para perceber que o mundo continua povoado pelos descendentes de Brás Cubas, Quincas Borba, Bento Santiago, Fidélia, dona Cesária e, claro, esse Aires, com a sua eterna flor na botoeira.

Neste que talvez seja o mais alusivo de todos os seus romances, João Almino não poupa ironia à vida literária, à academia, à política e à diplomacia. Entre o desespero e o riso, ressuscita o velho diplomata para nos perguntar ainda mais uma vez: “Que país é este?” E, por tabela, que mundo e que tempo é este em que sobrevivemos.

Hélio Guimarães, USP[:en]SOBRE “HOMEM DE PAPEL”, LEIA ORELHA DO PROFESSOR HÉLIO GUIMARÃES, da Universidade de São Paulo:

O que diriam o conselheiro Aires, e Machado de Assis, sobre o estado de coisas no Brasil de hoje?

É essa a pergunta que parece mover a imaginação do escritor, e a do leitor, neste Seduções do Ocaso, o oitavo romance de João Almino.

O conselheiro Aires, que preside os dois últimos romances de Machado de Assis, é o narrador e protagonista aqui. Espiando de dentro das páginas do livro que habita há mais de século, e também em algumas escapadelas para o mundo exterior, ele passa em revista este nosso tempo regido pela ignorância e pela estupidez.

O exemplar que lhe serve de abrigo pertence a uma certa Flor, jovem diplomata, trigêmea de Hugo e Miguel. Neste caso, Flor não está dividida entre o amor de dois gêmeos, mas espremida entre dois irmãos em eterna rixa política.

O centro da ação desloca-se agora do Catete e do Botafogo para uma Brasília invadida por antas, esse animal tipicamente nacional, como o romance faz questão de frisar.

Os anos de transição da monarquia para a república, em que as personagens machadianas assistem, entre embasbacadas e indiferentes, tanto à abolição como à proclamação do novo regime, dão lugar à vertigem do agora.

A confusão generalizada não provoca muito mais do que bocejos no velho diplomata. Quando lhe perguntam como vê a atualidade, responde: “A lua está bonita”.

Aires, no entanto, não deixa de se espantar com a propaganda do Viagra, que lhe permitiria reescrever os velhos versos de Shelley e finalmente eliminar o “not” dos célebres versos “I can give not what men call love”.

Confrontado com as redes sociais, o conselheiro redivivo é obrigado a refazer as contas. Se no século 19 toda notícia crescia pelo menos de dois terços, agora cada notícia multiplica-se aos milhões, criando milhões e milhões de “verdades” em conflito.

Movendo-se entre a farsa, a paródia, a sátira e a tragicomédia, João Almino aciona com maestria muitas notas do cômico, provocando estampidos de riso, risadas malévolas, esgares e certamente muito sorriso amarelo.

O riso afasta qualquer sugestão de que o passado fosse muito melhor do que o presente. Continua valendo aqui, como em Machado, a convicção de que ciúmes, traições, medo, orgulho, vaidade até mudam de endereço, mas mantêm o frescor do primeiro pé de alface que nossos ancestrais arrancaram da Terra.

Assim, basta raspar de leve o tênue verniz que recobre as personagens para perceber que o mundo continua povoado pelos descendentes de Brás Cubas, Quincas Borba, Bento Santiago, Fidélia, dona Cesária e, claro, esse Aires, com a sua eterna flor na botoeira.

Neste que talvez seja o mais alusivo de todos os seus romances, João Almino não poupa ironia à vida literária, à academia, à política e à diplomacia. Entre o desespero e o riso, ressuscita o velho diplomata para nos perguntar ainda mais uma vez: “Que país é este?” E, por tabela, que mundo e que tempo é este em que sobrevivemos.

Hélio Guimarães, USP[:es]SOBRE “HOMEM DE PAPEL”, LEIA ORELHA DO PROFESSOR HÉLIO GUIMARÃES, da Universidade de São Paulo:

O que diriam o conselheiro Aires, e Machado de Assis, sobre o estado de coisas no Brasil de hoje?

É essa a pergunta que parece mover a imaginação do escritor, e a do leitor, neste Seduções do Ocaso, o oitavo romance de João Almino.

O conselheiro Aires, que preside os dois últimos romances de Machado de Assis, é o narrador e protagonista aqui. Espiando de dentro das páginas do livro que habita há mais de século, e também em algumas escapadelas para o mundo exterior, ele passa em revista este nosso tempo regido pela ignorância e pela estupidez.

O exemplar que lhe serve de abrigo pertence a uma certa Flor, jovem diplomata, trigêmea de Hugo e Miguel. Neste caso, Flor não está dividida entre o amor de dois gêmeos, mas espremida entre dois irmãos em eterna rixa política.

O centro da ação desloca-se agora do Catete e do Botafogo para uma Brasília invadida por antas, esse animal tipicamente nacional, como o romance faz questão de frisar.

Os anos de transição da monarquia para a república, em que as personagens machadianas assistem, entre embasbacadas e indiferentes, tanto à abolição como à proclamação do novo regime, dão lugar à vertigem do agora.

A confusão generalizada não provoca muito mais do que bocejos no velho diplomata. Quando lhe perguntam como vê a atualidade, responde: “A lua está bonita”.

Aires, no entanto, não deixa de se espantar com a propaganda do Viagra, que lhe permitiria reescrever os velhos versos de Shelley e finalmente eliminar o “not” dos célebres versos “I can give not what men call love”.

Confrontado com as redes sociais, o conselheiro redivivo é obrigado a refazer as contas. Se no século 19 toda notícia crescia pelo menos de dois terços, agora cada notícia multiplica-se aos milhões, criando milhões e milhões de “verdades” em conflito.

Movendo-se entre a farsa, a paródia, a sátira e a tragicomédia, João Almino aciona com maestria muitas notas do cômico, provocando estampidos de riso, risadas malévolas, esgares e certamente muito sorriso amarelo.

O riso afasta qualquer sugestão de que o passado fosse muito melhor do que o presente. Continua valendo aqui, como em Machado, a convicção de que ciúmes, traições, medo, orgulho, vaidade até mudam de endereço, mas mantêm o frescor do primeiro pé de alface que nossos ancestrais arrancaram da Terra.

Assim, basta raspar de leve o tênue verniz que recobre as personagens para perceber que o mundo continua povoado pelos descendentes de Brás Cubas, Quincas Borba, Bento Santiago, Fidélia, dona Cesária e, claro, esse Aires, com a sua eterna flor na botoeira.

Neste que talvez seja o mais alusivo de todos os seus romances, João Almino não poupa ironia à vida literária, à academia, à política e à diplomacia. Entre o desespero e o riso, ressuscita o velho diplomata para nos perguntar ainda mais uma vez: “Que país é este?” E, por tabela, que mundo e que tempo é este em que sobrevivemos.

Hélio Guimarães, USP[:fr]SOBRE “HOMEM DE PAPEL”, LEIA ORELHA DO PROFESSOR HÉLIO GUIMARÃES, da Universidade de São Paulo:

O que diriam o conselheiro Aires, e Machado de Assis, sobre o estado de coisas no Brasil de hoje?

É essa a pergunta que parece mover a imaginação do escritor, e a do leitor, neste Seduções do Ocaso, o oitavo romance de João Almino.

O conselheiro Aires, que preside os dois últimos romances de Machado de Assis, é o narrador e protagonista aqui. Espiando de dentro das páginas do livro que habita há mais de século, e também em algumas escapadelas para o mundo exterior, ele passa em revista este nosso tempo regido pela ignorância e pela estupidez.

O exemplar que lhe serve de abrigo pertence a uma certa Flor, jovem diplomata, trigêmea de Hugo e Miguel. Neste caso, Flor não está dividida entre o amor de dois gêmeos, mas espremida entre dois irmãos em eterna rixa política.

O centro da ação desloca-se agora do Catete e do Botafogo para uma Brasília invadida por antas, esse animal tipicamente nacional, como o romance faz questão de frisar.

Os anos de transição da monarquia para a república, em que as personagens machadianas assistem, entre embasbacadas e indiferentes, tanto à abolição como à proclamação do novo regime, dão lugar à vertigem do agora.

A confusão generalizada não provoca muito mais do que bocejos no velho diplomata. Quando lhe perguntam como vê a atualidade, responde: “A lua está bonita”.

Aires, no entanto, não deixa de se espantar com a propaganda do Viagra, que lhe permitiria reescrever os velhos versos de Shelley e finalmente eliminar o “not” dos célebres versos “I can give not what men call love”.

Confrontado com as redes sociais, o conselheiro redivivo é obrigado a refazer as contas. Se no século 19 toda notícia crescia pelo menos de dois terços, agora cada notícia multiplica-se aos milhões, criando milhões e milhões de “verdades” em conflito.

Movendo-se entre a farsa, a paródia, a sátira e a tragicomédia, João Almino aciona com maestria muitas notas do cômico, provocando estampidos de riso, risadas malévolas, esgares e certamente muito sorriso amarelo.

O riso afasta qualquer sugestão de que o passado fosse muito melhor do que o presente. Continua valendo aqui, como em Machado, a convicção de que ciúmes, traições, medo, orgulho, vaidade até mudam de endereço, mas mantêm o frescor do primeiro pé de alface que nossos ancestrais arrancaram da Terra.

Assim, basta raspar de leve o tênue verniz que recobre as personagens para perceber que o mundo continua povoado pelos descendentes de Brás Cubas, Quincas Borba, Bento Santiago, Fidélia, dona Cesária e, claro, esse Aires, com a sua eterna flor na botoeira.

Neste que talvez seja o mais alusivo de todos os seus romances, João Almino não poupa ironia à vida literária, à academia, à política e à diplomacia. Entre o desespero e o riso, ressuscita o velho diplomata para nos perguntar ainda mais uma vez: “Que país é este?” E, por tabela, que mundo e que tempo é este em que sobrevivemos.

Hélio Guimarães, USP[:]