Literatura, Entre facas, algodão
Afonso Senna Cardoso
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O mais recente livro de João Almino irmana o leitor, desde a primeira linha, a mais um homem que tenta reescrever sua estória. Aos 70 anos, filhos criados, pobreza remediada ou abastança garantida, um homem encerra um casamento e a etapa supostamente mais produtiva de sua vida para tentar retomar o passado.
Como o próprio João Almino adverte “(…)o que se lembra pode insistir em nunca ir embora, até acorda a gente de madrugada. Pode estar pra cá ou pra lá do que aconteceu”. E é justo da memória, da narrativa que fazemos dela, que construímos nossa identidade.
O protagonista de Entre Facas, Algodão tem uma vingança por cumprir. Um amor de juventude por viver. Mais um projeto de afirmação social por realizar. E o recorrente sonho – quem não o teve? – de reescrever sua vida. E se tudo tivesse sido diferente? E, como cantaram Francis Hime e Chico Buarque, “se o oceano incendiar , e se cair neve no sertão, e se o urubu cocorocar, e se o Botafogo for campeão (…)”
A viagem de João não se dá no vácuo. Há um Brasil lá fora e dentro de cada uma das personagens. Um Brasil hierarquisado pela cor da pele, com um direito presuntivo à felicidade aos bem-nascidos. O mergulho na memória aviva também essas brasas, até a volta ao Nordeste que, como a Minas de Carlos Drummond, já não existe mais.
O algodão entre as facas, a impossibilidade de renascer, a alegre tristeza de enfim se advinhar por completo na identidade da memória, tudo tempera com sabedoria, ou resignação, carências e perdas do caminho.