Caderno Mais! FOLHA DE S. PAULO, Domingo, 9 de outubro de 1994
HAQUIRA OSAKABE
Especial para a Folha
“Mas tenho minha marca. E acredito que o estilo é a máquina. O meu é brasileiro deste fim de século — desbocado mas capenga e aleijado.” Assim, o computador-narrador de “Samba-Enredo”, novo romance de João Almino, define sua fisionomia, digamos, particular, e o significado não menos particular de seu destino.
Depositário de memórias superpostas e interpostas que remetem ao desaparecimento de um suposto primeiro presidente negro do Brasil, ocorrido em pleno carnaval anterior, o computador irá acionar seus dispositivos com a ajuda do fantasma da filha do próprio presidente. Com isso, vai tentar rever o drama e seu cenário.
Desse modo vai se erguendo diante do leitor uma sempre surpreendente Brasília carnavalesca, síntese de todos nossos vetores culturais, ao mesmo tempo em que se recompõe a trama do assassinato, que não poderia ter nem outro cenário nem outra ocasião.
Na verdade, o truque narrativo adotado por João Almino resulta de uma feliz solução do autor para retomar o resíduo episódico de seu romance anterior, “Idéias de Onde Passar o Fim do Mundo” (Brasiliense). É como se os registros, fichas e rascunhos para a construção deste romance estivessem ainda a cobrar uma nova ordenação e (por que não?) um novo estilo.
E João Almino atende bem a essa cobrança. O romance “Samba-Enredo” é ótimo: revela um grande narrador e um estilista primoroso. É claro que o truque do narrador-computador é o que, em primeira instância, chama mais a atenção: ao acionar a memória do computador, o autor aproxima o leitor não tanto da trama mas dos dados que muito bem podem servir a outra coisa.
E o que emerge do registro de sua memória não é o fato político, nem o policial que está evidente sempre, mas sim a surpreendente fisionomia individual dos atores, escancaradamente frágeis para sustentarem a apolínea condição de protagonistas de um drama nacional. É assim que, ao lado de uma Brasília carnavalesca, mística, vai emergindo a Brasília dos amantes sob o luar, muito mais drástica e definitiva.
Desse modo, o grande mérito deste romance parece estar na sua força alegórica. Ao inscrever a trama neste fim de século num carnaval em Brasília, João Almino conclama para sua obra as forças imponderáveis que comandam nosso destino: o Brasil-Brasília girando sobre si mesmo; um novo mundo que não sobrevem nunca; uma máquina que, ao reescrever a estória, não consegue se furtar ao risco da emoção humana e que se abrasileira e vai ganhando o estilo canhestro (como ele mesmo diz) deste país finissecular.
É aqui que se deve chamar a atenção para a questão da linguagem deste livro. A par da bem urdida trama e do bem solucionado recurso narrativo, é preciso salientar um notável domínio estilístico por parte do autor. Variando de registros, de tons, de formas, mas mantendo sempre uma clara segurança expressiva, João Almino consegue produzir um texto destinado a ficar.
É difícil que o leitor não venha a gostar deste livro. Inteligente, mordaz e lírico, “Samba-Enredo” permite conferir a João Almino título de romancista de Brasília, uma voz que esta cidade estava a merecer.
HAQUIRA OSAKABE é professor de teoria literária da Universidade de Campinas.
Caderno Mais! FOLHA DE S. PAULO, Domingo, 9 de outubro de 1994
HAQUIRA OSAKABE
Especial para a Folha
“Mas tenho minha marca. E acredito que o estilo é a máquina. O meu é brasileiro deste fim de século — desbocado mas capenga e aleijado.” Assim, o computador-narrador de “Samba-Enredo”, novo romance de João Almino, define sua fisionomia, digamos, particular, e o significado não menos particular de seu destino.
Depositário de memórias superpostas e interpostas que remetem ao desaparecimento de um suposto primeiro presidente negro do Brasil, ocorrido em pleno carnaval anterior, o computador irá acionar seus dispositivos com a ajuda do fantasma da filha do próprio presidente. Com isso, vai tentar rever o drama e seu cenário.
Desse modo vai se erguendo diante do leitor uma sempre surpreendente Brasília carnavalesca, síntese de todos nossos vetores culturais, ao mesmo tempo em que se recompõe a trama do assassinato, que não poderia ter nem outro cenário nem outra ocasião.
Na verdade, o truque narrativo adotado por João Almino resulta de uma feliz solução do autor para retomar o resíduo episódico de seu romance anterior, “Idéias de Onde Passar o Fim do Mundo” (Brasiliense). É como se os registros, fichas e rascunhos para a construção deste romance estivessem ainda a cobrar uma nova ordenação e (por que não?) um novo estilo.
E João Almino atende bem a essa cobrança. O romance “Samba-Enredo” é ótimo: revela um grande narrador e um estilista primoroso. É claro que o truque do narrador-computador é o que, em primeira instância, chama mais a atenção: ao acionar a memória do computador, o autor aproxima o leitor não tanto da trama mas dos dados que muito bem podem servir a outra coisa.
E o que emerge do registro de sua memória não é o fato político, nem o policial que está evidente sempre, mas sim a surpreendente fisionomia individual dos atores, escancaradamente frágeis para sustentarem a apolínea condição de protagonistas de um drama nacional. É assim que, ao lado de uma Brasília carnavalesca, mística, vai emergindo a Brasília dos amantes sob o luar, muito mais drástica e definitiva.
Desse modo, o grande mérito deste romance parece estar na sua força alegórica. Ao inscrever a trama neste fim de século num carnaval em Brasília, João Almino conclama para sua obra as forças imponderáveis que comandam nosso destino: o Brasil-Brasília girando sobre si mesmo; um novo mundo que não sobrevem nunca; uma máquina que, ao reescrever a estória, não consegue se furtar ao risco da emoção humana e que se abrasileira e vai ganhando o estilo canhestro (como ele mesmo diz) deste país finissecular.
É aqui que se deve chamar a atenção para a questão da linguagem deste livro. A par da bem urdida trama e do bem solucionado recurso narrativo, é preciso salientar um notável domínio estilístico por parte do autor. Variando de registros, de tons, de formas, mas mantendo sempre uma clara segurança expressiva, João Almino consegue produzir um texto destinado a ficar.
É difícil que o leitor não venha a gostar deste livro. Inteligente, mordaz e lírico, “Samba-Enredo” permite conferir a João Almino título de romancista de Brasília, uma voz que esta cidade estava a merecer.
HAQUIRA OSAKABE é professor de teoria literária da Universidade de Campinas.
Caderno Mais! FOLHA DE S. PAULO, Domingo, 9 de outubro de 1994
HAQUIRA OSAKABE
Especial para a Folha
“Mas tenho minha marca. E acredito que o estilo é a máquina. O meu é brasileiro deste fim de século — desbocado mas capenga e aleijado.” Assim, o computador-narrador de “Samba-Enredo”, novo romance de João Almino, define sua fisionomia, digamos, particular, e o significado não menos particular de seu destino.
Depositário de memórias superpostas e interpostas que remetem ao desaparecimento de um suposto primeiro presidente negro do Brasil, ocorrido em pleno carnaval anterior, o computador irá acionar seus dispositivos com a ajuda do fantasma da filha do próprio presidente. Com isso, vai tentar rever o drama e seu cenário.
Desse modo vai se erguendo diante do leitor uma sempre surpreendente Brasília carnavalesca, síntese de todos nossos vetores culturais, ao mesmo tempo em que se recompõe a trama do assassinato, que não poderia ter nem outro cenário nem outra ocasião.
Na verdade, o truque narrativo adotado por João Almino resulta de uma feliz solução do autor para retomar o resíduo episódico de seu romance anterior, “Idéias de Onde Passar o Fim do Mundo” (Brasiliense). É como se os registros, fichas e rascunhos para a construção deste romance estivessem ainda a cobrar uma nova ordenação e (por que não?) um novo estilo.
E João Almino atende bem a essa cobrança. O romance “Samba-Enredo” é ótimo: revela um grande narrador e um estilista primoroso. É claro que o truque do narrador-computador é o que, em primeira instância, chama mais a atenção: ao acionar a memória do computador, o autor aproxima o leitor não tanto da trama mas dos dados que muito bem podem servir a outra coisa.
E o que emerge do registro de sua memória não é o fato político, nem o policial que está evidente sempre, mas sim a surpreendente fisionomia individual dos atores, escancaradamente frágeis para sustentarem a apolínea condição de protagonistas de um drama nacional. É assim que, ao lado de uma Brasília carnavalesca, mística, vai emergindo a Brasília dos amantes sob o luar, muito mais drástica e definitiva.
Desse modo, o grande mérito deste romance parece estar na sua força alegórica. Ao inscrever a trama neste fim de século num carnaval em Brasília, João Almino conclama para sua obra as forças imponderáveis que comandam nosso destino: o Brasil-Brasília girando sobre si mesmo; um novo mundo que não sobrevem nunca; uma máquina que, ao reescrever a estória, não consegue se furtar ao risco da emoção humana e que se abrasileira e vai ganhando o estilo canhestro (como ele mesmo diz) deste país finissecular.
É aqui que se deve chamar a atenção para a questão da linguagem deste livro. A par da bem urdida trama e do bem solucionado recurso narrativo, é preciso salientar um notável domínio estilístico por parte do autor. Variando de registros, de tons, de formas, mas mantendo sempre uma clara segurança expressiva, João Almino consegue produzir um texto destinado a ficar.
É difícil que o leitor não venha a gostar deste livro. Inteligente, mordaz e lírico, “Samba-Enredo” permite conferir a João Almino título de romancista de Brasília, uma voz que esta cidade estava a merecer.
HAQUIRA OSAKABE é professor de teoria literária da Universidade de Campinas.
Caderno Mais! FOLHA DE S. PAULO, Domingo, 9 de outubro de 1994
HAQUIRA OSAKABE
Especial para a Folha
“Mas tenho minha marca. E acredito que o estilo é a máquina. O meu é brasileiro deste fim de século — desbocado mas capenga e aleijado.” Assim, o computador-narrador de “Samba-Enredo”, novo romance de João Almino, define sua fisionomia, digamos, particular, e o significado não menos particular de seu destino.
Depositário de memórias superpostas e interpostas que remetem ao desaparecimento de um suposto primeiro presidente negro do Brasil, ocorrido em pleno carnaval anterior, o computador irá acionar seus dispositivos com a ajuda do fantasma da filha do próprio presidente. Com isso, vai tentar rever o drama e seu cenário.
Desse modo vai se erguendo diante do leitor uma sempre surpreendente Brasília carnavalesca, síntese de todos nossos vetores culturais, ao mesmo tempo em que se recompõe a trama do assassinato, que não poderia ter nem outro cenário nem outra ocasião.
Na verdade, o truque narrativo adotado por João Almino resulta de uma feliz solução do autor para retomar o resíduo episódico de seu romance anterior, “Idéias de Onde Passar o Fim do Mundo” (Brasiliense). É como se os registros, fichas e rascunhos para a construção deste romance estivessem ainda a cobrar uma nova ordenação e (por que não?) um novo estilo.
E João Almino atende bem a essa cobrança. O romance “Samba-Enredo” é ótimo: revela um grande narrador e um estilista primoroso. É claro que o truque do narrador-computador é o que, em primeira instância, chama mais a atenção: ao acionar a memória do computador, o autor aproxima o leitor não tanto da trama mas dos dados que muito bem podem servir a outra coisa.
E o que emerge do registro de sua memória não é o fato político, nem o policial que está evidente sempre, mas sim a surpreendente fisionomia individual dos atores, escancaradamente frágeis para sustentarem a apolínea condição de protagonistas de um drama nacional. É assim que, ao lado de uma Brasília carnavalesca, mística, vai emergindo a Brasília dos amantes sob o luar, muito mais drástica e definitiva.
Desse modo, o grande mérito deste romance parece estar na sua força alegórica. Ao inscrever a trama neste fim de século num carnaval em Brasília, João Almino conclama para sua obra as forças imponderáveis que comandam nosso destino: o Brasil-Brasília girando sobre si mesmo; um novo mundo que não sobrevem nunca; uma máquina que, ao reescrever a estória, não consegue se furtar ao risco da emoção humana e que se abrasileira e vai ganhando o estilo canhestro (como ele mesmo diz) deste país finissecular.
É aqui que se deve chamar a atenção para a questão da linguagem deste livro. A par da bem urdida trama e do bem solucionado recurso narrativo, é preciso salientar um notável domínio estilístico por parte do autor. Variando de registros, de tons, de formas, mas mantendo sempre uma clara segurança expressiva, João Almino consegue produzir um texto destinado a ficar.
É difícil que o leitor não venha a gostar deste livro. Inteligente, mordaz e lírico, “Samba-Enredo” permite conferir a João Almino título de romancista de Brasília, uma voz que esta cidade estava a merecer.
HAQUIRA OSAKABE é professor de teoria literária da Universidade de Campinas.