“Correio da Manhã”, Lisboa, 30 de abril de 1998
Dário Moreira de Castro Alves (*)
Não conheço outra obra que, numa visão de conjunto, trate de forma abrangente o tema da ecologia – o tema em si, aspectos histórico-filosóficos e a ecologia ou ecologismo do ponto de vista das relações internacionais – como Naturezas Mortas, A Filosofia Política do Ecologismo, de João Almino, Cônsul Geral do Brasil em Lisboa. 0 autor é titular de um notável curriculum académico obtido no Brasil, na Europa e nos EUA e a obra se originou de uma tese académica apresentada ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil. 0 tema do ecologismo se insere hoje num grande painel do discurso público mundial, com crescente força e vivacidade, transcendendo de longe os limites técnico-científicos para espraiar-se pelo vasto campo das relações internacionais quer sejam estas tratadas do ponto de vista político, jurídico, económico ou sócio-cultural. Magnos aspectos das relações internacionais contemporâneas – desenvolvimento económico juntamente com o conceito de sustentabilidade desse mesmo processo, as relaçães Norte-Sul, a crescente actuação no cenário mundial das instituições financeiras intergovernamentais, as organizações não governamentais (ONGs), de grande ascendência e vocalidade no tecido das relações entre os povos de todo o planeta – toda essa teia de actuações e relações está marcada pelo ecologismo.
João Almino faz remontarem a Epicuro e Lucrecio, e a Platão, as primeiras ideias que viriam a evolver para o que hoje chamamos de ecologia. Em Platão estava presente, em A República, a ideia de uma degradação e de uma corrupção (que implicam a noção de natureza) decorrentes da desobediência humana aos desígnios dos Deuses: o que destrói e corrompe é o mal e o bem é que preserva e é útil. Correntes da doutrina judaico-cristã lançaram bases filosóficas de uma visão tanto ecológica quanto anti-ecológica. A ética judaico-cristã colocou o homem acima da natureza, em nome de Deus, e favoreceu a ideia antropocêntrica, de dominação do homem sobre a natureza. Uma “perspectiva ecológica é atribuída ao pensamento cristão medieval de São Francisco de Assis, que encarava o homem como igual às demais criaturas e não como um ser superior.”
Uma súmula da história da degradação ambiental teria de basicamente apoiar-se sobre dois momentos da aceleração da história, o primeiro dos quais foi a revolução neolítica, que correspondeu ao desenvolvimento da agricultura, da tecelagem e da cerâmica, à domestícação de animais e à sedentarização humana. 0 segundo grande marco foi a revolução industrial. Tentando sintetizar a exposição de João Almino, da revolução industrial emergiram as bases da degradação ambiental – revolução que significou a fusão da ciência com a técnica, “pela mentalidade dominante no tipo de sociedade inaugurada com o capitalismo, e de forma mais ampla, por determinada visão de progresso e natureza que se vinha pouco a pouco firmando na modernidade, ou seja, desde o Renascimento”.
0 livro de João Almino passa ern revista teorias de grandes pensadores e filósofos dos séculos XVII a XIX, que têm pertinência com posições doutrinárias que estão na base do ecologismo sob seus vários aspectos. 0 ecologismo, em parte, desenvolveu-se como uma critica naturalista de uma visão moderna humanista e artificialista, que culminou sobretudo no século XIX, no individualismo à outrance e na redução da natureza a recursos para a exploração ávida e predatória por parte do homem. O humanismo moderno atribui ao indivíduo um papel central como explorador da natureza, havendo a noção de progresso servido a uma ética de apropriação, exploração e controle da natureza.
A palavra ecologia foi pela primeira vez empregada, em alemão, Oekologie, em 1866, pelo zoólogo e biólogo alemão Ernst Haeckel. 0 contexto em que a palavra foi cunhada, no livro Morfologia Geral dos Organismos, era biológico, e relacionava a teoria da evolução das espécies de Charles Darwin à morfologia animal. A nova disciplina teria como objectivo estudar a relação das espécies com seus meios ambientes, orgânicos e inorgânicos.
Nesse ponto, João Almíno parte para a identificação de três correntes no ecologismo como o entendermos hoje – estudo da relação entre o homem e a natureza e o papel desempenhado pelo homem no mundo; sobre o sentido da história e a ideia de progresso – a saber: 1) reforço do humanismo individualista e do progresso, baseado na crença cega na capacidade de aprimoramento crescente do homem e do seu meio, através da técnica e da ciência; 2) postura anti-humanista, descrente na capacidade que teria o homem de controlar seu destino, de aprimorar o mundo ou transformar positivamente a natureza, tendo como fundamento a negação do progresso e do desenvolvimento tecnológico; 3°) proposta de uma nova forma de relação do homem com a natureza, a ciência, a técnica, o progresso, a história, sem contudo negar esses valores. É o que chama de “neo-humanismo ecológico”, que se opõe ao humanismo individualista como emanou do Renascimento, e ao “eco-centrismo”. Pela teoria do neo-humanismo ecológico, o homem e a natureza são uma só coisa, sendo os valores e os “direitos” da natureza referidos ao homem. Boa parte do livro é dedicada a explicações aprofundadas sobre essas três correntes e suas visões práticas e consequências. Em favor da última se inclina o autor.
Na verdade foi a partir da década dos 70 e 80 que o ecologismo saiu da categoria de um movimento de protesto e às vezes de certa diatribe para chegar ao discurso oficial dos partidos políticos e do Estado, pelo qual se chega ao “desenvolvimento sustentável”, que resolveria a oposição entre desenvolvimento e meio ambiente. 0 desenvolvimento que não é sustentável envolve seu próprio fim por causa de seu carácter predatório. É extensa e convenientemente estudado o problema dos graves e alargados riscos que decorrem, a nível planetário, da exploração crescente e de forma alarmante dos recursos naturais não renováveis, pelos países altamente desenvolvidos, e das emissões de dióxido de carbono para a atmosfera, com seus conhecidos efeitos.
É um livro que muito explica, sugere, insinua, provoca o leitor interessado em questões de tamanha importância como a da ecologia e aspectos correlatos. Mereceria ser editado em Portugal, onde se colocaria com realce ao lado de outras obras importantes aqui escritas ou traduzidas.
(*) Embaixador brasileiro aposentado, residente em Lisboa, Presidente do Conselho de Curadores da Fundação luso-brasileira para o Desenvolvimento do Mundo de Língua Portuguesa.
“Correio da Manhã”, Lisboa, 30 de abril de 1998
Dário Moreira de Castro Alves (*)
Não conheço outra obra que, numa visão de conjunto, trate de forma abrangente o tema da ecologia – o tema em si, aspectos histórico-filosóficos e a ecologia ou ecologismo do ponto de vista das relações internacionais – como Naturezas Mortas, A Filosofia Política do Ecologismo, de João Almino, Cônsul Geral do Brasil em Lisboa. 0 autor é titular de um notável curriculum académico obtido no Brasil, na Europa e nos EUA e a obra se originou de uma tese académica apresentada ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil. 0 tema do ecologismo se insere hoje num grande painel do discurso público mundial, com crescente força e vivacidade, transcendendo de longe os limites técnico-científicos para espraiar-se pelo vasto campo das relações internacionais quer sejam estas tratadas do ponto de vista político, jurídico, económico ou sócio-cultural. Magnos aspectos das relações internacionais contemporâneas – desenvolvimento económico juntamente com o conceito de sustentabilidade desse mesmo processo, as relaçães Norte-Sul, a crescente actuação no cenário mundial das instituições financeiras intergovernamentais, as organizações não governamentais (ONGs), de grande ascendência e vocalidade no tecido das relações entre os povos de todo o planeta – toda essa teia de actuações e relações está marcada pelo ecologismo.
João Almino faz remontarem a Epicuro e Lucrecio, e a Platão, as primeiras ideias que viriam a evolver para o que hoje chamamos de ecologia. Em Platão estava presente, em A República, a ideia de uma degradação e de uma corrupção (que implicam a noção de natureza) decorrentes da desobediência humana aos desígnios dos Deuses: o que destrói e corrompe é o mal e o bem é que preserva e é útil. Correntes da doutrina judaico-cristã lançaram bases filosóficas de uma visão tanto ecológica quanto anti-ecológica. A ética judaico-cristã colocou o homem acima da natureza, em nome de Deus, e favoreceu a ideia antropocêntrica, de dominação do homem sobre a natureza. Uma “perspectiva ecológica é atribuída ao pensamento cristão medieval de São Francisco de Assis, que encarava o homem como igual às demais criaturas e não como um ser superior.”
Uma súmula da história da degradação ambiental teria de basicamente apoiar-se sobre dois momentos da aceleração da história, o primeiro dos quais foi a revolução neolítica, que correspondeu ao desenvolvimento da agricultura, da tecelagem e da cerâmica, à domestícação de animais e à sedentarização humana. 0 segundo grande marco foi a revolução industrial. Tentando sintetizar a exposição de João Almino, da revolução industrial emergiram as bases da degradação ambiental – revolução que significou a fusão da ciência com a técnica, “pela mentalidade dominante no tipo de sociedade inaugurada com o capitalismo, e de forma mais ampla, por determinada visão de progresso e natureza que se vinha pouco a pouco firmando na modernidade, ou seja, desde o Renascimento”.
0 livro de João Almino passa ern revista teorias de grandes pensadores e filósofos dos séculos XVII a XIX, que têm pertinência com posições doutrinárias que estão na base do ecologismo sob seus vários aspectos. 0 ecologismo, em parte, desenvolveu-se como uma critica naturalista de uma visão moderna humanista e artificialista, que culminou sobretudo no século XIX, no individualismo à outrance e na redução da natureza a recursos para a exploração ávida e predatória por parte do homem. O humanismo moderno atribui ao indivíduo um papel central como explorador da natureza, havendo a noção de progresso servido a uma ética de apropriação, exploração e controle da natureza.
A palavra ecologia foi pela primeira vez empregada, em alemão, Oekologie, em 1866, pelo zoólogo e biólogo alemão Ernst Haeckel. 0 contexto em que a palavra foi cunhada, no livro Morfologia Geral dos Organismos, era biológico, e relacionava a teoria da evolução das espécies de Charles Darwin à morfologia animal. A nova disciplina teria como objectivo estudar a relação das espécies com seus meios ambientes, orgânicos e inorgânicos.
Nesse ponto, João Almíno parte para a identificação de três correntes no ecologismo como o entendermos hoje – estudo da relação entre o homem e a natureza e o papel desempenhado pelo homem no mundo; sobre o sentido da história e a ideia de progresso – a saber: 1) reforço do humanismo individualista e do progresso, baseado na crença cega na capacidade de aprimoramento crescente do homem e do seu meio, através da técnica e da ciência; 2) postura anti-humanista, descrente na capacidade que teria o homem de controlar seu destino, de aprimorar o mundo ou transformar positivamente a natureza, tendo como fundamento a negação do progresso e do desenvolvimento tecnológico; 3°) proposta de uma nova forma de relação do homem com a natureza, a ciência, a técnica, o progresso, a história, sem contudo negar esses valores. É o que chama de “neo-humanismo ecológico”, que se opõe ao humanismo individualista como emanou do Renascimento, e ao “eco-centrismo”. Pela teoria do neo-humanismo ecológico, o homem e a natureza são uma só coisa, sendo os valores e os “direitos” da natureza referidos ao homem. Boa parte do livro é dedicada a explicações aprofundadas sobre essas três correntes e suas visões práticas e consequências. Em favor da última se inclina o autor.
Na verdade foi a partir da década dos 70 e 80 que o ecologismo saiu da categoria de um movimento de protesto e às vezes de certa diatribe para chegar ao discurso oficial dos partidos políticos e do Estado, pelo qual se chega ao “desenvolvimento sustentável”, que resolveria a oposição entre desenvolvimento e meio ambiente. 0 desenvolvimento que não é sustentável envolve seu próprio fim por causa de seu carácter predatório. É extensa e convenientemente estudado o problema dos graves e alargados riscos que decorrem, a nível planetário, da exploração crescente e de forma alarmante dos recursos naturais não renováveis, pelos países altamente desenvolvidos, e das emissões de dióxido de carbono para a atmosfera, com seus conhecidos efeitos.
É um livro que muito explica, sugere, insinua, provoca o leitor interessado em questões de tamanha importância como a da ecologia e aspectos correlatos. Mereceria ser editado em Portugal, onde se colocaria com realce ao lado de outras obras importantes aqui escritas ou traduzidas.
(*) Embaixador brasileiro aposentado, residente em Lisboa, Presidente do Conselho de Curadores da Fundação luso-brasileira para o Desenvolvimento do Mundo de Língua Portuguesa.
“Correio da Manhã”, Lisboa, 30 de abril de 1998
Dário Moreira de Castro Alves (*)
Não conheço outra obra que, numa visão de conjunto, trate de forma abrangente o tema da ecologia – o tema em si, aspectos histórico-filosóficos e a ecologia ou ecologismo do ponto de vista das relações internacionais – como Naturezas Mortas, A Filosofia Política do Ecologismo, de João Almino, Cônsul Geral do Brasil em Lisboa. 0 autor é titular de um notável curriculum académico obtido no Brasil, na Europa e nos EUA e a obra se originou de uma tese académica apresentada ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil. 0 tema do ecologismo se insere hoje num grande painel do discurso público mundial, com crescente força e vivacidade, transcendendo de longe os limites técnico-científicos para espraiar-se pelo vasto campo das relações internacionais quer sejam estas tratadas do ponto de vista político, jurídico, económico ou sócio-cultural. Magnos aspectos das relações internacionais contemporâneas – desenvolvimento económico juntamente com o conceito de sustentabilidade desse mesmo processo, as relaçães Norte-Sul, a crescente actuação no cenário mundial das instituições financeiras intergovernamentais, as organizações não governamentais (ONGs), de grande ascendência e vocalidade no tecido das relações entre os povos de todo o planeta – toda essa teia de actuações e relações está marcada pelo ecologismo.
João Almino faz remontarem a Epicuro e Lucrecio, e a Platão, as primeiras ideias que viriam a evolver para o que hoje chamamos de ecologia. Em Platão estava presente, em A República, a ideia de uma degradação e de uma corrupção (que implicam a noção de natureza) decorrentes da desobediência humana aos desígnios dos Deuses: o que destrói e corrompe é o mal e o bem é que preserva e é útil. Correntes da doutrina judaico-cristã lançaram bases filosóficas de uma visão tanto ecológica quanto anti-ecológica. A ética judaico-cristã colocou o homem acima da natureza, em nome de Deus, e favoreceu a ideia antropocêntrica, de dominação do homem sobre a natureza. Uma “perspectiva ecológica é atribuída ao pensamento cristão medieval de São Francisco de Assis, que encarava o homem como igual às demais criaturas e não como um ser superior.”
Uma súmula da história da degradação ambiental teria de basicamente apoiar-se sobre dois momentos da aceleração da história, o primeiro dos quais foi a revolução neolítica, que correspondeu ao desenvolvimento da agricultura, da tecelagem e da cerâmica, à domestícação de animais e à sedentarização humana. 0 segundo grande marco foi a revolução industrial. Tentando sintetizar a exposição de João Almino, da revolução industrial emergiram as bases da degradação ambiental – revolução que significou a fusão da ciência com a técnica, “pela mentalidade dominante no tipo de sociedade inaugurada com o capitalismo, e de forma mais ampla, por determinada visão de progresso e natureza que se vinha pouco a pouco firmando na modernidade, ou seja, desde o Renascimento”.
0 livro de João Almino passa ern revista teorias de grandes pensadores e filósofos dos séculos XVII a XIX, que têm pertinência com posições doutrinárias que estão na base do ecologismo sob seus vários aspectos. 0 ecologismo, em parte, desenvolveu-se como uma critica naturalista de uma visão moderna humanista e artificialista, que culminou sobretudo no século XIX, no individualismo à outrance e na redução da natureza a recursos para a exploração ávida e predatória por parte do homem. O humanismo moderno atribui ao indivíduo um papel central como explorador da natureza, havendo a noção de progresso servido a uma ética de apropriação, exploração e controle da natureza.
A palavra ecologia foi pela primeira vez empregada, em alemão, Oekologie, em 1866, pelo zoólogo e biólogo alemão Ernst Haeckel. 0 contexto em que a palavra foi cunhada, no livro Morfologia Geral dos Organismos, era biológico, e relacionava a teoria da evolução das espécies de Charles Darwin à morfologia animal. A nova disciplina teria como objectivo estudar a relação das espécies com seus meios ambientes, orgânicos e inorgânicos.
Nesse ponto, João Almíno parte para a identificação de três correntes no ecologismo como o entendermos hoje – estudo da relação entre o homem e a natureza e o papel desempenhado pelo homem no mundo; sobre o sentido da história e a ideia de progresso – a saber: 1) reforço do humanismo individualista e do progresso, baseado na crença cega na capacidade de aprimoramento crescente do homem e do seu meio, através da técnica e da ciência; 2) postura anti-humanista, descrente na capacidade que teria o homem de controlar seu destino, de aprimorar o mundo ou transformar positivamente a natureza, tendo como fundamento a negação do progresso e do desenvolvimento tecnológico; 3°) proposta de uma nova forma de relação do homem com a natureza, a ciência, a técnica, o progresso, a história, sem contudo negar esses valores. É o que chama de “neo-humanismo ecológico”, que se opõe ao humanismo individualista como emanou do Renascimento, e ao “eco-centrismo”. Pela teoria do neo-humanismo ecológico, o homem e a natureza são uma só coisa, sendo os valores e os “direitos” da natureza referidos ao homem. Boa parte do livro é dedicada a explicações aprofundadas sobre essas três correntes e suas visões práticas e consequências. Em favor da última se inclina o autor.
Na verdade foi a partir da década dos 70 e 80 que o ecologismo saiu da categoria de um movimento de protesto e às vezes de certa diatribe para chegar ao discurso oficial dos partidos políticos e do Estado, pelo qual se chega ao “desenvolvimento sustentável”, que resolveria a oposição entre desenvolvimento e meio ambiente. 0 desenvolvimento que não é sustentável envolve seu próprio fim por causa de seu carácter predatório. É extensa e convenientemente estudado o problema dos graves e alargados riscos que decorrem, a nível planetário, da exploração crescente e de forma alarmante dos recursos naturais não renováveis, pelos países altamente desenvolvidos, e das emissões de dióxido de carbono para a atmosfera, com seus conhecidos efeitos.
É um livro que muito explica, sugere, insinua, provoca o leitor interessado em questões de tamanha importância como a da ecologia e aspectos correlatos. Mereceria ser editado em Portugal, onde se colocaria com realce ao lado de outras obras importantes aqui escritas ou traduzidas.
(*) Embaixador brasileiro aposentado, residente em Lisboa, Presidente do Conselho de Curadores da Fundação luso-brasileira para o Desenvolvimento do Mundo de Língua Portuguesa.
“Correio da Manhã”, Lisboa, 30 de abril de 1998
Dário Moreira de Castro Alves (*)
Não conheço outra obra que, numa visão de conjunto, trate de forma abrangente o tema da ecologia – o tema em si, aspectos histórico-filosóficos e a ecologia ou ecologismo do ponto de vista das relações internacionais – como Naturezas Mortas, A Filosofia Política do Ecologismo, de João Almino, Cônsul Geral do Brasil em Lisboa. 0 autor é titular de um notável curriculum académico obtido no Brasil, na Europa e nos EUA e a obra se originou de uma tese académica apresentada ao Ministério das Relações Exteriores do Brasil. 0 tema do ecologismo se insere hoje num grande painel do discurso público mundial, com crescente força e vivacidade, transcendendo de longe os limites técnico-científicos para espraiar-se pelo vasto campo das relações internacionais quer sejam estas tratadas do ponto de vista político, jurídico, económico ou sócio-cultural. Magnos aspectos das relações internacionais contemporâneas – desenvolvimento económico juntamente com o conceito de sustentabilidade desse mesmo processo, as relaçães Norte-Sul, a crescente actuação no cenário mundial das instituições financeiras intergovernamentais, as organizações não governamentais (ONGs), de grande ascendência e vocalidade no tecido das relações entre os povos de todo o planeta – toda essa teia de actuações e relações está marcada pelo ecologismo.
João Almino faz remontarem a Epicuro e Lucrecio, e a Platão, as primeiras ideias que viriam a evolver para o que hoje chamamos de ecologia. Em Platão estava presente, em A República, a ideia de uma degradação e de uma corrupção (que implicam a noção de natureza) decorrentes da desobediência humana aos desígnios dos Deuses: o que destrói e corrompe é o mal e o bem é que preserva e é útil. Correntes da doutrina judaico-cristã lançaram bases filosóficas de uma visão tanto ecológica quanto anti-ecológica. A ética judaico-cristã colocou o homem acima da natureza, em nome de Deus, e favoreceu a ideia antropocêntrica, de dominação do homem sobre a natureza. Uma “perspectiva ecológica é atribuída ao pensamento cristão medieval de São Francisco de Assis, que encarava o homem como igual às demais criaturas e não como um ser superior.”
Uma súmula da história da degradação ambiental teria de basicamente apoiar-se sobre dois momentos da aceleração da história, o primeiro dos quais foi a revolução neolítica, que correspondeu ao desenvolvimento da agricultura, da tecelagem e da cerâmica, à domestícação de animais e à sedentarização humana. 0 segundo grande marco foi a revolução industrial. Tentando sintetizar a exposição de João Almino, da revolução industrial emergiram as bases da degradação ambiental – revolução que significou a fusão da ciência com a técnica, “pela mentalidade dominante no tipo de sociedade inaugurada com o capitalismo, e de forma mais ampla, por determinada visão de progresso e natureza que se vinha pouco a pouco firmando na modernidade, ou seja, desde o Renascimento”.
0 livro de João Almino passa ern revista teorias de grandes pensadores e filósofos dos séculos XVII a XIX, que têm pertinência com posições doutrinárias que estão na base do ecologismo sob seus vários aspectos. 0 ecologismo, em parte, desenvolveu-se como uma critica naturalista de uma visão moderna humanista e artificialista, que culminou sobretudo no século XIX, no individualismo à outrance e na redução da natureza a recursos para a exploração ávida e predatória por parte do homem. O humanismo moderno atribui ao indivíduo um papel central como explorador da natureza, havendo a noção de progresso servido a uma ética de apropriação, exploração e controle da natureza.
A palavra ecologia foi pela primeira vez empregada, em alemão, Oekologie, em 1866, pelo zoólogo e biólogo alemão Ernst Haeckel. 0 contexto em que a palavra foi cunhada, no livro Morfologia Geral dos Organismos, era biológico, e relacionava a teoria da evolução das espécies de Charles Darwin à morfologia animal. A nova disciplina teria como objectivo estudar a relação das espécies com seus meios ambientes, orgânicos e inorgânicos.
Nesse ponto, João Almíno parte para a identificação de três correntes no ecologismo como o entendermos hoje – estudo da relação entre o homem e a natureza e o papel desempenhado pelo homem no mundo; sobre o sentido da história e a ideia de progresso – a saber: 1) reforço do humanismo individualista e do progresso, baseado na crença cega na capacidade de aprimoramento crescente do homem e do seu meio, através da técnica e da ciência; 2) postura anti-humanista, descrente na capacidade que teria o homem de controlar seu destino, de aprimorar o mundo ou transformar positivamente a natureza, tendo como fundamento a negação do progresso e do desenvolvimento tecnológico; 3°) proposta de uma nova forma de relação do homem com a natureza, a ciência, a técnica, o progresso, a história, sem contudo negar esses valores. É o que chama de “neo-humanismo ecológico”, que se opõe ao humanismo individualista como emanou do Renascimento, e ao “eco-centrismo”. Pela teoria do neo-humanismo ecológico, o homem e a natureza são uma só coisa, sendo os valores e os “direitos” da natureza referidos ao homem. Boa parte do livro é dedicada a explicações aprofundadas sobre essas três correntes e suas visões práticas e consequências. Em favor da última se inclina o autor.
Na verdade foi a partir da década dos 70 e 80 que o ecologismo saiu da categoria de um movimento de protesto e às vezes de certa diatribe para chegar ao discurso oficial dos partidos políticos e do Estado, pelo qual se chega ao “desenvolvimento sustentável”, que resolveria a oposição entre desenvolvimento e meio ambiente. 0 desenvolvimento que não é sustentável envolve seu próprio fim por causa de seu carácter predatório. É extensa e convenientemente estudado o problema dos graves e alargados riscos que decorrem, a nível planetário, da exploração crescente e de forma alarmante dos recursos naturais não renováveis, pelos países altamente desenvolvidos, e das emissões de dióxido de carbono para a atmosfera, com seus conhecidos efeitos.
É um livro que muito explica, sugere, insinua, provoca o leitor interessado em questões de tamanha importância como a da ecologia e aspectos correlatos. Mereceria ser editado em Portugal, onde se colocaria com realce ao lado de outras obras importantes aqui escritas ou traduzidas.
(*) Embaixador brasileiro aposentado, residente em Lisboa, Presidente do Conselho de Curadores da Fundação luso-brasileira para o Desenvolvimento do Mundo de Língua Portuguesa.