Lembrando 1946. Augusto Nunes, Veja, sobre Os Democratas Autoritários, de João Almino

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VEJA, 22 DE OUTUBRO, 1980

OS DEMOCRATAS AUTORITÁRIOS, de João Almino; Brasiliense; 372 páginas; 620 cruzeiros.

AUGUSTO NUNES

O estudo do sociólogo e diplomata João Almino, uma cuidadosa ampliação da tese que defendeu em 1979 na Universidade de Brasília, ao concluir seu curso de pós-graduação, convida à suspeita de que o PSD majoritário da Constituinte de 1946 foi o avô do jovem PDS: sua gorda e obediente bancada tratou de oferecer ao país exatamente a Constituição que o governo do marechal Dutra queria. Não seria conveniente, por certo, que a Carta traísse qualquer parentesco com o Estado Novo que acabara de desabar. Mas era indispensável sobretudo fornecer ao Marechal-Presidente o “livrinho” que ele pudesse consultar, sem sobressaltos, em momentos de dúvida.

Precisamente por isso, segundo o autor, foram rechaçadas pela maioria pessedista todas as emendas de alta voltagem libertária, quase sempre apresentadas pelas minúsculas bancadas do PCB e da Esquerda Democrática, embrião do futuro Partido Socialista Brasileiro. Uma delas instituía o direito de greve, sem restrições. Outra subtraía os sindicatos à tutela do Estado. Nesses e em outros casos igualmente exemplares, a tarefa do PSD foi favorecida pela envergonhada cumplicidade do PTB, que procurava colorir seus votos contrários às emendas com declarações de amor aos trabalhadores, e da UDN. Espremidos entre a necessidade de se opor ao governo Dutra e a antipatia que nutriam por leis sociais arrojadas, os udenistas seguiram o caminho que lhes sobrou: atribuir todos os males do país ao ditador Getúlio Vargas.

SOB O SIGNO DO RESSENTIMENTO – João Almino, atualmente servindo ao Itamaraty em Paris, demonstra que a sombra imensa de Vargas, ainda assustadora para a oposição, projeta-se por inteiro sobre a Constituinte de 1946. A lembrança da ditadura empurrava a maioria dos constituintes para uma Carta que, poupada de concessões à esquerda, levasse o país para a doce companhia das democracias ocidentais. Mas dezenas de deputados e senadores antigetulistas estavam convencidos de que a nova Constituição deveria sobretudo impedir que Vargas voltasse ao poder, nas eleições seguintes, com os braços livres para uma reedição da aventura estadonovista. Nascida sob o signo do ressentimento, a Constituição de 1946 permitiria que o país contornasse durante dezoito anos os recifes do autoritarismo. Mas não poderia chegar a bom porto.

Algo raro nas últimas safras de sociólogos, João Almino escreve bem e mostra a preocupação de, ao transformar uma tese em livro, evitar o jargão incompreensível para leitores comuns. Nesse denso passeio pelos debates travados entre os constituintes de 1946, o autor se baseia exclusivamente, como os bons advogados, nas provas dos autos. Assim, sem sofismas nem conclusões apressadas, João Almino mostra que a Constituição de 1946 padecia de alguns males congênitos. Também por isso, ela estava destinada a morrer nas mãos dos “democratas autoritários” da UDN, em 1964, sob a indiferença cúmplice do PSD que anos antes a havia redigido.

VEJA, 22 DE OUTUBRO, 1980

OS DEMOCRATAS AUTORITÁRIOS, de João Almino; Brasiliense; 372 páginas; 620 cruzeiros.

AUGUSTO NUNES

O estudo do sociólogo e diplomata João Almino, uma cuidadosa ampliação da tese que defendeu em 1979 na Universidade de Brasília, ao concluir seu curso de pós-graduação, convida à suspeita de que o PSD majoritário da Constituinte de 1946 foi o avô do jovem PDS: sua gorda e obediente bancada tratou de oferecer ao país exatamente a Constituição que o governo do marechal Dutra queria. Não seria conveniente, por certo, que a Carta traísse qualquer parentesco com o Estado Novo que acabara de desabar. Mas era indispensável sobretudo fornecer ao Marechal-Presidente o “livrinho” que ele pudesse consultar, sem sobressaltos, em momentos de dúvida.

Precisamente por isso, segundo o autor, foram rechaçadas pela maioria pessedista todas as emendas de alta voltagem libertária, quase sempre apresentadas pelas minúsculas bancadas do PCB e da Esquerda Democrática, embrião do futuro Partido Socialista Brasileiro. Uma delas instituía o direito de greve, sem restrições. Outra subtraía os sindicatos à tutela do Estado. Nesses e em outros casos igualmente exemplares, a tarefa do PSD foi favorecida pela envergonhada cumplicidade do PTB, que procurava colorir seus votos contrários às emendas com declarações de amor aos trabalhadores, e da UDN. Espremidos entre a necessidade de se opor ao governo Dutra e a antipatia que nutriam por leis sociais arrojadas, os udenistas seguiram o caminho que lhes sobrou: atribuir todos os males do país ao ditador Getúlio Vargas.

SOB O SIGNO DO RESSENTIMENTO – João Almino, atualmente servindo ao Itamaraty em Paris, demonstra que a sombra imensa de Vargas, ainda assustadora para a oposição, projeta-se por inteiro sobre a Constituinte de 1946. A lembrança da ditadura empurrava a maioria dos constituintes para uma Carta que, poupada de concessões à esquerda, levasse o país para a doce companhia das democracias ocidentais. Mas dezenas de deputados e senadores antigetulistas estavam convencidos de que a nova Constituição deveria sobretudo impedir que Vargas voltasse ao poder, nas eleições seguintes, com os braços livres para uma reedição da aventura estadonovista. Nascida sob o signo do ressentimento, a Constituição de 1946 permitiria que o país contornasse durante dezoito anos os recifes do autoritarismo. Mas não poderia chegar a bom porto.

Algo raro nas últimas safras de sociólogos, João Almino escreve bem e mostra a preocupação de, ao transformar uma tese em livro, evitar o jargão incompreensível para leitores comuns. Nesse denso passeio pelos debates travados entre os constituintes de 1946, o autor se baseia exclusivamente, como os bons advogados, nas provas dos autos. Assim, sem sofismas nem conclusões apressadas, João Almino mostra que a Constituição de 1946 padecia de alguns males congênitos. Também por isso, ela estava destinada a morrer nas mãos dos “democratas autoritários” da UDN, em 1964, sob a indiferença cúmplice do PSD que anos antes a havia redigido.

VEJA, 22 DE OUTUBRO, 1980

OS DEMOCRATAS AUTORITÁRIOS, de João Almino; Brasiliense; 372 páginas; 620 cruzeiros.

AUGUSTO NUNES

O estudo do sociólogo e diplomata João Almino, uma cuidadosa ampliação da tese que defendeu em 1979 na Universidade de Brasília, ao concluir seu curso de pós-graduação, convida à suspeita de que o PSD majoritário da Constituinte de 1946 foi o avô do jovem PDS: sua gorda e obediente bancada tratou de oferecer ao país exatamente a Constituição que o governo do marechal Dutra queria. Não seria conveniente, por certo, que a Carta traísse qualquer parentesco com o Estado Novo que acabara de desabar. Mas era indispensável sobretudo fornecer ao Marechal-Presidente o “livrinho” que ele pudesse consultar, sem sobressaltos, em momentos de dúvida.

Precisamente por isso, segundo o autor, foram rechaçadas pela maioria pessedista todas as emendas de alta voltagem libertária, quase sempre apresentadas pelas minúsculas bancadas do PCB e da Esquerda Democrática, embrião do futuro Partido Socialista Brasileiro. Uma delas instituía o direito de greve, sem restrições. Outra subtraía os sindicatos à tutela do Estado. Nesses e em outros casos igualmente exemplares, a tarefa do PSD foi favorecida pela envergonhada cumplicidade do PTB, que procurava colorir seus votos contrários às emendas com declarações de amor aos trabalhadores, e da UDN. Espremidos entre a necessidade de se opor ao governo Dutra e a antipatia que nutriam por leis sociais arrojadas, os udenistas seguiram o caminho que lhes sobrou: atribuir todos os males do país ao ditador Getúlio Vargas.

SOB O SIGNO DO RESSENTIMENTO – João Almino, atualmente servindo ao Itamaraty em Paris, demonstra que a sombra imensa de Vargas, ainda assustadora para a oposição, projeta-se por inteiro sobre a Constituinte de 1946. A lembrança da ditadura empurrava a maioria dos constituintes para uma Carta que, poupada de concessões à esquerda, levasse o país para a doce companhia das democracias ocidentais. Mas dezenas de deputados e senadores antigetulistas estavam convencidos de que a nova Constituição deveria sobretudo impedir que Vargas voltasse ao poder, nas eleições seguintes, com os braços livres para uma reedição da aventura estadonovista. Nascida sob o signo do ressentimento, a Constituição de 1946 permitiria que o país contornasse durante dezoito anos os recifes do autoritarismo. Mas não poderia chegar a bom porto.

Algo raro nas últimas safras de sociólogos, João Almino escreve bem e mostra a preocupação de, ao transformar uma tese em livro, evitar o jargão incompreensível para leitores comuns. Nesse denso passeio pelos debates travados entre os constituintes de 1946, o autor se baseia exclusivamente, como os bons advogados, nas provas dos autos. Assim, sem sofismas nem conclusões apressadas, João Almino mostra que a Constituição de 1946 padecia de alguns males congênitos. Também por isso, ela estava destinada a morrer nas mãos dos “democratas autoritários” da UDN, em 1964, sob a indiferença cúmplice do PSD que anos antes a havia redigido.

VEJA, 22 DE OUTUBRO, 1980

OS DEMOCRATAS AUTORITÁRIOS, de João Almino; Brasiliense; 372 páginas; 620 cruzeiros.

AUGUSTO NUNES

O estudo do sociólogo e diplomata João Almino, uma cuidadosa ampliação da tese que defendeu em 1979 na Universidade de Brasília, ao concluir seu curso de pós-graduação, convida à suspeita de que o PSD majoritário da Constituinte de 1946 foi o avô do jovem PDS: sua gorda e obediente bancada tratou de oferecer ao país exatamente a Constituição que o governo do marechal Dutra queria. Não seria conveniente, por certo, que a Carta traísse qualquer parentesco com o Estado Novo que acabara de desabar. Mas era indispensável sobretudo fornecer ao Marechal-Presidente o “livrinho” que ele pudesse consultar, sem sobressaltos, em momentos de dúvida.

Precisamente por isso, segundo o autor, foram rechaçadas pela maioria pessedista todas as emendas de alta voltagem libertária, quase sempre apresentadas pelas minúsculas bancadas do PCB e da Esquerda Democrática, embrião do futuro Partido Socialista Brasileiro. Uma delas instituía o direito de greve, sem restrições. Outra subtraía os sindicatos à tutela do Estado. Nesses e em outros casos igualmente exemplares, a tarefa do PSD foi favorecida pela envergonhada cumplicidade do PTB, que procurava colorir seus votos contrários às emendas com declarações de amor aos trabalhadores, e da UDN. Espremidos entre a necessidade de se opor ao governo Dutra e a antipatia que nutriam por leis sociais arrojadas, os udenistas seguiram o caminho que lhes sobrou: atribuir todos os males do país ao ditador Getúlio Vargas.

SOB O SIGNO DO RESSENTIMENTO – João Almino, atualmente servindo ao Itamaraty em Paris, demonstra que a sombra imensa de Vargas, ainda assustadora para a oposição, projeta-se por inteiro sobre a Constituinte de 1946. A lembrança da ditadura empurrava a maioria dos constituintes para uma Carta que, poupada de concessões à esquerda, levasse o país para a doce companhia das democracias ocidentais. Mas dezenas de deputados e senadores antigetulistas estavam convencidos de que a nova Constituição deveria sobretudo impedir que Vargas voltasse ao poder, nas eleições seguintes, com os braços livres para uma reedição da aventura estadonovista. Nascida sob o signo do ressentimento, a Constituição de 1946 permitiria que o país contornasse durante dezoito anos os recifes do autoritarismo. Mas não poderia chegar a bom porto.

Algo raro nas últimas safras de sociólogos, João Almino escreve bem e mostra a preocupação de, ao transformar uma tese em livro, evitar o jargão incompreensível para leitores comuns. Nesse denso passeio pelos debates travados entre os constituintes de 1946, o autor se baseia exclusivamente, como os bons advogados, nas provas dos autos. Assim, sem sofismas nem conclusões apressadas, João Almino mostra que a Constituição de 1946 padecia de alguns males congênitos. Também por isso, ela estava destinada a morrer nas mãos dos “democratas autoritários” da UDN, em 1964, sob a indiferença cúmplice do PSD que anos antes a havia redigido.