Idéias / JORNAL DO BRASIL / 24 DE OUT. 1987
Num mundo à beira da catástrofe, um escritor morto volta à Terra para terminar o roteiro de seu filme.
Cenário: Brasília, Distrito Federal
Clovis Brigagão
PERSONAGENS retiradas de uma antiga fotografia amarelada servem de pretexto para o roteiro de um filme. Seria essa foto uma atração de realidades misteriosas ou estaria apenas revelando a ficção a ser narrada por um, dois e até três narradores? O lugar é o planalto central, Brasília, e os flashes movem-se de uma ponta a outra, incorporando fantasmas, personagens em outros personagens, intimidades. Se o leitor pretende uma leitura linear e passiva, enfrentará de cara o seu próprio engodo. Mas se penetrar, naturalmente, nas articulações das imagens, viajará no tempo interior e no espaço exterior, no regresso às condições do sertão brasileiro e na comunicação com os extraterrestres. Aí então o caminho se abre, “como um vasto hieróglifo em movimento”.
Mas vamos à história. Nela entram sabores medidamente acentuados de alusões literárias, explícitas em alguns casos, como Machado, Flaubert, Drummond ou nas entrelinhas tangenciais de um Guimarães Rosa, Oswald de Andrade, Sartre e Graciliano Ramos. Há insinuações, focos do viver-e-olhar da década dos 70, desbundes e alucinações, o curtir o fuminho nas festas do Lago Paranoá. Há ingredientes de nossa história política, possíveis seqüestros via TV, invasões de multinacionais e proclamações revolucionárias, o poster do Che. Caleidoscópios que fazem emergir do fundo o próprio fundo, e nele ímagens refletidas e invertidas de uma galopante depressão de toda uma geração.
No início aparece um autor ressuscitado, metáfora machadiana. A foto cai em mãos de Silvinha, a primeira que aparece na sua relação com o narrador. Roqueira de Brasília, vivendo em Paris, pertence de corpo inteiro à geração do computador e da eletrônica. Narrador-autor no princípio, ele desloca sua câmera como estivesse recontando os entremeios e ironicamente saudando os diversos tempos de forma a não desapontar o leitor com narrativas desnecessárias e sem interesse. São tessituras de histórias incompletas, sem fim de linha, numa espécie de cenário de sombras, por onde vai construindo o quebra-cabeças dos personagens. As mulheres assumem a liderança e são maioria, inspiração cujo prazer vai inundando e enfeitiçando o narrador e o leitor, agora cúmplices.
Berenice é a grande figura. Empregada doméstica da mulher do Presidente da República tem o destino incerto das migrações certas. Ela viaja do sertão cearense a Brasília, via o próprio livro, deslocando-se entre um deserto e outro. Silvinha é a dona da foto, onde se instalam, no clic mágico, personagens com passado e futuro. No presente o que há é a profusão de estilos indicando uma época ainda mais confusa… Os que não estão na foto são personagens da festa de posse de Paulo Fernandes. Ampliam a realidade e transformam a ficção em idéias para passar o “tempo”. Paulo Fernandes, pai de Silvinha e filho adotivo de um general, é o primeiro Presidente negro do Brasil. Contemplação de sonhos, não tem tempo de fazer as reformas prometidas durante a campanha e, então, é seqüestrado, morto. Nós ficamos sem saber o que, na realidade, se passou.
Cadu, fotógrafo, é o único homem — que tinha medo de ser veado — pronto para a ação: amante de todas as mulheres, seu insaciável cardápio não o permite nem pensar nem dizer nada sobre o amor.
Madalena entra, como mulher do Presidente Paulo e psicanalista. Suas investidas acabam mesmo em frustrações e estas no encontro com Iris, médium do Jardim da Salvação. Iris, do norte goiano, puta em Salvador, mística da compaixão pela humanidade, gostaria de ser Noé da nova era. Eva é ela mesma, a do paraíso desterrada por Deus, pecado de mulher. Eva, irmã do Presidente, amante de Cadu, prolonga suas reflexões e aturdimentos em sucessivas depressões e se suicida.
Finalmente, Mário Camargo de Castro, o verdadeiro narrador da ficção e personagem do livro que quer transformar a foto num projeto de filme. Não o realiza e morre, deixando anotações para Silvinha recompor, com o dedo do autor e dela própria, outra narradora, o que afinal sucedeu. História que foi o sonho e o pesadelo de uma geração lucidamente alienada, fala o autor E eu, coração gelado, alma gerada pela energia nuclear me fragmento na duração desses personagens, fixados numa época de minutos e segundos. Parece que pertenço ao clic fotográfico, cortado e recortado pelo turbilhão de imagens, onde o ir e vir, o chegar e o partir, que importa? O que vale mesmo é a passagem, o movimento e a velocidade que vai transfigurando imagens, micro-narrativas de nosso cotidiano medíocre. Esse romance de João Almino que não é nem de um barroco extravagante, nem de um minimalismo de moda, alinha-se à concisão do estilo de Sergio Sant’Anna, em Tragédia Brasileira, como ao de João Gilberto Noll, em seu Bandoleiros. Um trio da nova narrativa imagética brasileira, cuja inscrição, em cada um deles, faz-se sob novos signos, do cinema, do teatro, da fotografia. O olho ocupado, nada lhes escapa, com tantos outros olhos os vendo. E nesse vaivém de olhares, as coisas reais são narradas com a intensidade de sonhos e de novas imagens…
Clóvis Brigagão é cientista político.
Idéias / JORNAL DO BRASIL / 24 DE OUT. 1987
Num mundo à beira da catástrofe, um escritor morto volta à Terra para terminar o roteiro de seu filme.
Cenário: Brasília, Distrito Federal
Clovis Brigagão
PERSONAGENS retiradas de uma antiga fotografia amarelada servem de pretexto para o roteiro de um filme. Seria essa foto uma atração de realidades misteriosas ou estaria apenas revelando a ficção a ser narrada por um, dois e até três narradores? O lugar é o planalto central, Brasília, e os flashes movem-se de uma ponta a outra, incorporando fantasmas, personagens em outros personagens, intimidades. Se o leitor pretende uma leitura linear e passiva, enfrentará de cara o seu próprio engodo. Mas se penetrar, naturalmente, nas articulações das imagens, viajará no tempo interior e no espaço exterior, no regresso às condições do sertão brasileiro e na comunicação com os extraterrestres. Aí então o caminho se abre, “como um vasto hieróglifo em movimento”.
Mas vamos à história. Nela entram sabores medidamente acentuados de alusões literárias, explícitas em alguns casos, como Machado, Flaubert, Drummond ou nas entrelinhas tangenciais de um Guimarães Rosa, Oswald de Andrade, Sartre e Graciliano Ramos. Há insinuações, focos do viver-e-olhar da década dos 70, desbundes e alucinações, o curtir o fuminho nas festas do Lago Paranoá. Há ingredientes de nossa história política, possíveis seqüestros via TV, invasões de multinacionais e proclamações revolucionárias, o poster do Che. Caleidoscópios que fazem emergir do fundo o próprio fundo, e nele ímagens refletidas e invertidas de uma galopante depressão de toda uma geração.
No início aparece um autor ressuscitado, metáfora machadiana. A foto cai em mãos de Silvinha, a primeira que aparece na sua relação com o narrador. Roqueira de Brasília, vivendo em Paris, pertence de corpo inteiro à geração do computador e da eletrônica. Narrador-autor no princípio, ele desloca sua câmera como estivesse recontando os entremeios e ironicamente saudando os diversos tempos de forma a não desapontar o leitor com narrativas desnecessárias e sem interesse. São tessituras de histórias incompletas, sem fim de linha, numa espécie de cenário de sombras, por onde vai construindo o quebra-cabeças dos personagens. As mulheres assumem a liderança e são maioria, inspiração cujo prazer vai inundando e enfeitiçando o narrador e o leitor, agora cúmplices.
Berenice é a grande figura. Empregada doméstica da mulher do Presidente da República tem o destino incerto das migrações certas. Ela viaja do sertão cearense a Brasília, via o próprio livro, deslocando-se entre um deserto e outro. Silvinha é a dona da foto, onde se instalam, no clic mágico, personagens com passado e futuro. No presente o que há é a profusão de estilos indicando uma época ainda mais confusa… Os que não estão na foto são personagens da festa de posse de Paulo Fernandes. Ampliam a realidade e transformam a ficção em idéias para passar o “tempo”. Paulo Fernandes, pai de Silvinha e filho adotivo de um general, é o primeiro Presidente negro do Brasil. Contemplação de sonhos, não tem tempo de fazer as reformas prometidas durante a campanha e, então, é seqüestrado, morto. Nós ficamos sem saber o que, na realidade, se passou.
Cadu, fotógrafo, é o único homem — que tinha medo de ser veado — pronto para a ação: amante de todas as mulheres, seu insaciável cardápio não o permite nem pensar nem dizer nada sobre o amor.
Madalena entra, como mulher do Presidente Paulo e psicanalista. Suas investidas acabam mesmo em frustrações e estas no encontro com Iris, médium do Jardim da Salvação. Iris, do norte goiano, puta em Salvador, mística da compaixão pela humanidade, gostaria de ser Noé da nova era. Eva é ela mesma, a do paraíso desterrada por Deus, pecado de mulher. Eva, irmã do Presidente, amante de Cadu, prolonga suas reflexões e aturdimentos em sucessivas depressões e se suicida.
Finalmente, Mário Camargo de Castro, o verdadeiro narrador da ficção e personagem do livro que quer transformar a foto num projeto de filme. Não o realiza e morre, deixando anotações para Silvinha recompor, com o dedo do autor e dela própria, outra narradora, o que afinal sucedeu. História que foi o sonho e o pesadelo de uma geração lucidamente alienada, fala o autor E eu, coração gelado, alma gerada pela energia nuclear me fragmento na duração desses personagens, fixados numa época de minutos e segundos. Parece que pertenço ao clic fotográfico, cortado e recortado pelo turbilhão de imagens, onde o ir e vir, o chegar e o partir, que importa? O que vale mesmo é a passagem, o movimento e a velocidade que vai transfigurando imagens, micro-narrativas de nosso cotidiano medíocre. Esse romance de João Almino que não é nem de um barroco extravagante, nem de um minimalismo de moda, alinha-se à concisão do estilo de Sergio Sant’Anna, em Tragédia Brasileira, como ao de João Gilberto Noll, em seu Bandoleiros. Um trio da nova narrativa imagética brasileira, cuja inscrição, em cada um deles, faz-se sob novos signos, do cinema, do teatro, da fotografia. O olho ocupado, nada lhes escapa, com tantos outros olhos os vendo. E nesse vaivém de olhares, as coisas reais são narradas com a intensidade de sonhos e de novas imagens…
Clóvis Brigagão é cientista político.
Idéias / JORNAL DO BRASIL / 24 DE OUT. 1987
Num mundo à beira da catástrofe, um escritor morto volta à Terra para terminar o roteiro de seu filme.
Cenário: Brasília, Distrito Federal
Clovis Brigagão
PERSONAGENS retiradas de uma antiga fotografia amarelada servem de pretexto para o roteiro de um filme. Seria essa foto uma atração de realidades misteriosas ou estaria apenas revelando a ficção a ser narrada por um, dois e até três narradores? O lugar é o planalto central, Brasília, e os flashes movem-se de uma ponta a outra, incorporando fantasmas, personagens em outros personagens, intimidades. Se o leitor pretende uma leitura linear e passiva, enfrentará de cara o seu próprio engodo. Mas se penetrar, naturalmente, nas articulações das imagens, viajará no tempo interior e no espaço exterior, no regresso às condições do sertão brasileiro e na comunicação com os extraterrestres. Aí então o caminho se abre, “como um vasto hieróglifo em movimento”.
Mas vamos à história. Nela entram sabores medidamente acentuados de alusões literárias, explícitas em alguns casos, como Machado, Flaubert, Drummond ou nas entrelinhas tangenciais de um Guimarães Rosa, Oswald de Andrade, Sartre e Graciliano Ramos. Há insinuações, focos do viver-e-olhar da década dos 70, desbundes e alucinações, o curtir o fuminho nas festas do Lago Paranoá. Há ingredientes de nossa história política, possíveis seqüestros via TV, invasões de multinacionais e proclamações revolucionárias, o poster do Che. Caleidoscópios que fazem emergir do fundo o próprio fundo, e nele ímagens refletidas e invertidas de uma galopante depressão de toda uma geração.
No início aparece um autor ressuscitado, metáfora machadiana. A foto cai em mãos de Silvinha, a primeira que aparece na sua relação com o narrador. Roqueira de Brasília, vivendo em Paris, pertence de corpo inteiro à geração do computador e da eletrônica. Narrador-autor no princípio, ele desloca sua câmera como estivesse recontando os entremeios e ironicamente saudando os diversos tempos de forma a não desapontar o leitor com narrativas desnecessárias e sem interesse. São tessituras de histórias incompletas, sem fim de linha, numa espécie de cenário de sombras, por onde vai construindo o quebra-cabeças dos personagens. As mulheres assumem a liderança e são maioria, inspiração cujo prazer vai inundando e enfeitiçando o narrador e o leitor, agora cúmplices.
Berenice é a grande figura. Empregada doméstica da mulher do Presidente da República tem o destino incerto das migrações certas. Ela viaja do sertão cearense a Brasília, via o próprio livro, deslocando-se entre um deserto e outro. Silvinha é a dona da foto, onde se instalam, no clic mágico, personagens com passado e futuro. No presente o que há é a profusão de estilos indicando uma época ainda mais confusa… Os que não estão na foto são personagens da festa de posse de Paulo Fernandes. Ampliam a realidade e transformam a ficção em idéias para passar o “tempo”. Paulo Fernandes, pai de Silvinha e filho adotivo de um general, é o primeiro Presidente negro do Brasil. Contemplação de sonhos, não tem tempo de fazer as reformas prometidas durante a campanha e, então, é seqüestrado, morto. Nós ficamos sem saber o que, na realidade, se passou.
Cadu, fotógrafo, é o único homem — que tinha medo de ser veado — pronto para a ação: amante de todas as mulheres, seu insaciável cardápio não o permite nem pensar nem dizer nada sobre o amor.
Madalena entra, como mulher do Presidente Paulo e psicanalista. Suas investidas acabam mesmo em frustrações e estas no encontro com Iris, médium do Jardim da Salvação. Iris, do norte goiano, puta em Salvador, mística da compaixão pela humanidade, gostaria de ser Noé da nova era. Eva é ela mesma, a do paraíso desterrada por Deus, pecado de mulher. Eva, irmã do Presidente, amante de Cadu, prolonga suas reflexões e aturdimentos em sucessivas depressões e se suicida.
Finalmente, Mário Camargo de Castro, o verdadeiro narrador da ficção e personagem do livro que quer transformar a foto num projeto de filme. Não o realiza e morre, deixando anotações para Silvinha recompor, com o dedo do autor e dela própria, outra narradora, o que afinal sucedeu. História que foi o sonho e o pesadelo de uma geração lucidamente alienada, fala o autor E eu, coração gelado, alma gerada pela energia nuclear me fragmento na duração desses personagens, fixados numa época de minutos e segundos. Parece que pertenço ao clic fotográfico, cortado e recortado pelo turbilhão de imagens, onde o ir e vir, o chegar e o partir, que importa? O que vale mesmo é a passagem, o movimento e a velocidade que vai transfigurando imagens, micro-narrativas de nosso cotidiano medíocre. Esse romance de João Almino que não é nem de um barroco extravagante, nem de um minimalismo de moda, alinha-se à concisão do estilo de Sergio Sant’Anna, em Tragédia Brasileira, como ao de João Gilberto Noll, em seu Bandoleiros. Um trio da nova narrativa imagética brasileira, cuja inscrição, em cada um deles, faz-se sob novos signos, do cinema, do teatro, da fotografia. O olho ocupado, nada lhes escapa, com tantos outros olhos os vendo. E nesse vaivém de olhares, as coisas reais são narradas com a intensidade de sonhos e de novas imagens…
Clóvis Brigagão é cientista político.
Idéias / JORNAL DO BRASIL / 24 DE OUT. 1987
Num mundo à beira da catástrofe, um escritor morto volta à Terra para terminar o roteiro de seu filme.
Cenário: Brasília, Distrito Federal
Clovis Brigagão
PERSONAGENS retiradas de uma antiga fotografia amarelada servem de pretexto para o roteiro de um filme. Seria essa foto uma atração de realidades misteriosas ou estaria apenas revelando a ficção a ser narrada por um, dois e até três narradores? O lugar é o planalto central, Brasília, e os flashes movem-se de uma ponta a outra, incorporando fantasmas, personagens em outros personagens, intimidades. Se o leitor pretende uma leitura linear e passiva, enfrentará de cara o seu próprio engodo. Mas se penetrar, naturalmente, nas articulações das imagens, viajará no tempo interior e no espaço exterior, no regresso às condições do sertão brasileiro e na comunicação com os extraterrestres. Aí então o caminho se abre, “como um vasto hieróglifo em movimento”.
Mas vamos à história. Nela entram sabores medidamente acentuados de alusões literárias, explícitas em alguns casos, como Machado, Flaubert, Drummond ou nas entrelinhas tangenciais de um Guimarães Rosa, Oswald de Andrade, Sartre e Graciliano Ramos. Há insinuações, focos do viver-e-olhar da década dos 70, desbundes e alucinações, o curtir o fuminho nas festas do Lago Paranoá. Há ingredientes de nossa história política, possíveis seqüestros via TV, invasões de multinacionais e proclamações revolucionárias, o poster do Che. Caleidoscópios que fazem emergir do fundo o próprio fundo, e nele ímagens refletidas e invertidas de uma galopante depressão de toda uma geração.
No início aparece um autor ressuscitado, metáfora machadiana. A foto cai em mãos de Silvinha, a primeira que aparece na sua relação com o narrador. Roqueira de Brasília, vivendo em Paris, pertence de corpo inteiro à geração do computador e da eletrônica. Narrador-autor no princípio, ele desloca sua câmera como estivesse recontando os entremeios e ironicamente saudando os diversos tempos de forma a não desapontar o leitor com narrativas desnecessárias e sem interesse. São tessituras de histórias incompletas, sem fim de linha, numa espécie de cenário de sombras, por onde vai construindo o quebra-cabeças dos personagens. As mulheres assumem a liderança e são maioria, inspiração cujo prazer vai inundando e enfeitiçando o narrador e o leitor, agora cúmplices.
Berenice é a grande figura. Empregada doméstica da mulher do Presidente da República tem o destino incerto das migrações certas. Ela viaja do sertão cearense a Brasília, via o próprio livro, deslocando-se entre um deserto e outro. Silvinha é a dona da foto, onde se instalam, no clic mágico, personagens com passado e futuro. No presente o que há é a profusão de estilos indicando uma época ainda mais confusa… Os que não estão na foto são personagens da festa de posse de Paulo Fernandes. Ampliam a realidade e transformam a ficção em idéias para passar o “tempo”. Paulo Fernandes, pai de Silvinha e filho adotivo de um general, é o primeiro Presidente negro do Brasil. Contemplação de sonhos, não tem tempo de fazer as reformas prometidas durante a campanha e, então, é seqüestrado, morto. Nós ficamos sem saber o que, na realidade, se passou.
Cadu, fotógrafo, é o único homem — que tinha medo de ser veado — pronto para a ação: amante de todas as mulheres, seu insaciável cardápio não o permite nem pensar nem dizer nada sobre o amor.
Madalena entra, como mulher do Presidente Paulo e psicanalista. Suas investidas acabam mesmo em frustrações e estas no encontro com Iris, médium do Jardim da Salvação. Iris, do norte goiano, puta em Salvador, mística da compaixão pela humanidade, gostaria de ser Noé da nova era. Eva é ela mesma, a do paraíso desterrada por Deus, pecado de mulher. Eva, irmã do Presidente, amante de Cadu, prolonga suas reflexões e aturdimentos em sucessivas depressões e se suicida.
Finalmente, Mário Camargo de Castro, o verdadeiro narrador da ficção e personagem do livro que quer transformar a foto num projeto de filme. Não o realiza e morre, deixando anotações para Silvinha recompor, com o dedo do autor e dela própria, outra narradora, o que afinal sucedeu. História que foi o sonho e o pesadelo de uma geração lucidamente alienada, fala o autor E eu, coração gelado, alma gerada pela energia nuclear me fragmento na duração desses personagens, fixados numa época de minutos e segundos. Parece que pertenço ao clic fotográfico, cortado e recortado pelo turbilhão de imagens, onde o ir e vir, o chegar e o partir, que importa? O que vale mesmo é a passagem, o movimento e a velocidade que vai transfigurando imagens, micro-narrativas de nosso cotidiano medíocre. Esse romance de João Almino que não é nem de um barroco extravagante, nem de um minimalismo de moda, alinha-se à concisão do estilo de Sergio Sant’Anna, em Tragédia Brasileira, como ao de João Gilberto Noll, em seu Bandoleiros. Um trio da nova narrativa imagética brasileira, cuja inscrição, em cada um deles, faz-se sob novos signos, do cinema, do teatro, da fotografia. O olho ocupado, nada lhes escapa, com tantos outros olhos os vendo. E nesse vaivém de olhares, as coisas reais são narradas com a intensidade de sonhos e de novas imagens…
Clóvis Brigagão é cientista político.