Suplemento Pernambuco
22 de julho de 2015
O amor nos tempos do gás lacrimogêneo.
O escritor João Almino descreve no Suplemento Pernambuco os bastidores da realização de seu novo e já aclamado romance: Enigmas da primavera, do Grupo Editorial Record.
Quando concluí meu romance anterior, Cidade livre, há mais de cinco anos, comecei a tomar notas para o novo livro, que viria a ser intitulado Enigmas da primavera. Tive dois pontos de partida. O primeiro era que eu queria centrar a história num personagem jovem, de cerca de 20 anos. Algumas das características do personagem já estavam presentes desde o começo: sua relativa desorientação diante dos dilemas do mundo contemporâneo, sua revolta contra a passividade de seu tempo, sobretudo quando confrontada com as histórias dos que viveram as transformações comportamentais dos anos sessenta do século passado ou se engajaram na luta contra a ditadura no Brasil, e seu apego à internet e às mídias sociais.
O segundo ponto de partida tinha a ver com a técnica da escrita. Em cada livro, gosto de explorar um terreno novo. Queria escrever, pela primeira vez, uma história relativamente linear em terceira pessoa, e assim fiz.
O personagem foi pouco a pouco sendo desenvolvido. Foram surgindo os membros de sua família disfuncional, seu pai, que morreu de overdose, sua mãe, internada para tratamento, os avós que o criaram em Brasília, seus outros avós, residentes em São Paulo. A relação com os avós passou a ser importante, alimentando parte dos diálogos.
Quando fui morar em Madri, em agosto de 2011, tinha lugar na cidade a Jornada Mundial da Juventude, com cerca de dez mil jovens brasileiros inscritos. O evento contaria com a presença do papa. Eu via os jovens caminhando pelo Paseo de la Castellana e outras artérias de Madri, passei pelo seu centro de acolhimento e pensei: por que não trazer meus personagens para cá neste exato momento? Tomei várias notas, fiz algumas descrições e imaginei que uma das amigas do protagonista fosse católica e se interessasse em vir a Madri para a Jornada. Ele e outra amiga a seguiriam por razões distintas.
A chegada dos personagens a Madri coincide com a existência do Movimento dos Indignados. Outros movimentos de jovens ocorrem mundo afora, nos Estados Unidos com o Occupy Wall Street, no mundo árabe. São diferentes entre si e também distintos de outros movimentos de jovens do passado, como os de maio de 68 na França ou La Movida na Espanha. O que têm em comum é serem, sobretudo, movimentos feitos por jovens, conterem um elemento de surpresa, ocorrerem fora da política tradicional e organizada, e terem uma característica de relativa horizontalidade. Esse será outro tema explorado pelo romance, cuja história chega até a época das manifestações ocorridas no Brasil em 2013.
Interessei-me pela história da Espanha, muito especialmente pela ocupação árabe e muçulmana da Península Ibérica. Tive a sorte de morar a cem metros da Biblioteca Nacional da Espanha, o que me permitiu fazer, com relativa facilidade e em geral à noite ou aos sábados, consultas a textos históricos, alguns muito antigos. Quis que os personagens fossem a Granada e construí uma história um tanto delirante para tornar “natural” a apropriação de algumas informações dessas narrativas históricas.
Para a construção de parte da trama amorosa, inspirei-me numa antiga lenda árabe, de um amor impossível entre Majnun e Layla, porém transformando-a. Lembrei-me do período em que vivi em Paris e em Beirute para contar histórias sobre os avós, pelos quais o personagem principal nutre admiração e com os quais dialoga sobre as revoltas dos jovens. Imaginei que uma das avós, a que mora em São Paulo, fosse árabe e muçulmana. No Líbano eu havia morado durante dois anos, de 1980 a 1982, o que me ajudou na concepção da personagem, de sua vivência e de seus conhecimentos. Ela serve de inspiração ao protagonista em seu desejo de se converter ao islã. Criei também um personagem conhecedor da cultura árabe e islâmica, bem como personagens menores, alguns deles radicais, para que meu personagem central pudesse explorar tanto a tradição de tolerância do islã quanto leituras jihadistas. Li o corão em tradução para o português e, algumas vezes, a cotejei com traduções para o francês e o inglês.
Um dos maiores desafios era o de escrever uma espécie de diário dos acontecimentos sem cair na tentação de usar o enfoque do historiador, do filósofo ou do jornalista, todos eles necessários, mas distintos do que a ficção exige. O que me interessava era sobretudo entender as motivações e as emoções dos personagens, confrontar uns a outros, expondo seus conflitos. Entre as muitas releituras que fiz, fui ao Flaubert de A educação sentimental, para entender como ele havia tratado da Revolução de 1848 com enfoque literário, e a Thomas Mann para reler os diálogos entre Naphta e Settembrini sobre temas então contemporâneos.
No mais, o livro resultou de longo processo de revisão, como sempre ocorre no meu caso. O primeiro rascunho escrevo num tempo relativamente curto, digamos, de dois anos, e passo muito mais tempo reescrevendo, fazendo cortes, buscando palavras mais apropriadas à narrativa, e até mesmo modificando a ordem de alguns acontecimentos.Suplemento Pernambuco
22 de julho de 2015
O amor nos tempos do gás lacrimogêneo.
O escritor João Almino descreve no Suplemento Pernambuco os bastidores da realização de seu novo e já aclamado romance: Enigmas da primavera, do Grupo Editorial Record.
Quando concluí meu romance anterior, Cidade livre, há mais de cinco anos, comecei a tomar notas para o novo livro, que viria a ser intitulado Enigmas da primavera. Tive dois pontos de partida. O primeiro era que eu queria centrar a história num personagem jovem, de cerca de 20 anos. Algumas das características do personagem já estavam presentes desde o começo: sua relativa desorientação diante dos dilemas do mundo contemporâneo, sua revolta contra a passividade de seu tempo, sobretudo quando confrontada com as histórias dos que viveram as transformações comportamentais dos anos sessenta do século passado ou se engajaram na luta contra a ditadura no Brasil, e seu apego à internet e às mídias sociais.
O segundo ponto de partida tinha a ver com a técnica da escrita. Em cada livro, gosto de explorar um terreno novo. Queria escrever, pela primeira vez, uma história relativamente linear em terceira pessoa, e assim fiz.
O personagem foi pouco a pouco sendo desenvolvido. Foram surgindo os membros de sua família disfuncional, seu pai, que morreu de overdose, sua mãe, internada para tratamento, os avós que o criaram em Brasília, seus outros avós, residentes em São Paulo. A relação com os avós passou a ser importante, alimentando parte dos diálogos.
Quando fui morar em Madri, em agosto de 2011, tinha lugar na cidade a Jornada Mundial da Juventude, com cerca de dez mil jovens brasileiros inscritos. O evento contaria com a presença do papa. Eu via os jovens caminhando pelo Paseo de la Castellana e outras artérias de Madri, passei pelo seu centro de acolhimento e pensei: por que não trazer meus personagens para cá neste exato momento? Tomei várias notas, fiz algumas descrições e imaginei que uma das amigas do protagonista fosse católica e se interessasse em vir a Madri para a Jornada. Ele e outra amiga a seguiriam por razões distintas.
A chegada dos personagens a Madri coincide com a existência do Movimento dos Indignados. Outros movimentos de jovens ocorrem mundo afora, nos Estados Unidos com o Occupy Wall Street, no mundo árabe. São diferentes entre si e também distintos de outros movimentos de jovens do passado, como os de maio de 68 na França ou La Movida na Espanha. O que têm em comum é serem, sobretudo, movimentos feitos por jovens, conterem um elemento de surpresa, ocorrerem fora da política tradicional e organizada, e terem uma característica de relativa horizontalidade. Esse será outro tema explorado pelo romance, cuja história chega até a época das manifestações ocorridas no Brasil em 2013.
Interessei-me pela história da Espanha, muito especialmente pela ocupação árabe e muçulmana da Península Ibérica. Tive a sorte de morar a cem metros da Biblioteca Nacional da Espanha, o que me permitiu fazer, com relativa facilidade e em geral à noite ou aos sábados, consultas a textos históricos, alguns muito antigos. Quis que os personagens fossem a Granada e construí uma história um tanto delirante para tornar “natural” a apropriação de algumas informações dessas narrativas históricas.
Para a construção de parte da trama amorosa, inspirei-me numa antiga lenda árabe, de um amor impossível entre Majnun e Layla, porém transformando-a. Lembrei-me do período em que vivi em Paris e em Beirute para contar histórias sobre os avós, pelos quais o personagem principal nutre admiração e com os quais dialoga sobre as revoltas dos jovens. Imaginei que uma das avós, a que mora em São Paulo, fosse árabe e muçulmana. No Líbano eu havia morado durante dois anos, de 1980 a 1982, o que me ajudou na concepção da personagem, de sua vivência e de seus conhecimentos. Ela serve de inspiração ao protagonista em seu desejo de se converter ao islã. Criei também um personagem conhecedor da cultura árabe e islâmica, bem como personagens menores, alguns deles radicais, para que meu personagem central pudesse explorar tanto a tradição de tolerância do islã quanto leituras jihadistas. Li o corão em tradução para o português e, algumas vezes, a cotejei com traduções para o francês e o inglês.
Um dos maiores desafios era o de escrever uma espécie de diário dos acontecimentos sem cair na tentação de usar o enfoque do historiador, do filósofo ou do jornalista, todos eles necessários, mas distintos do que a ficção exige. O que me interessava era sobretudo entender as motivações e as emoções dos personagens, confrontar uns a outros, expondo seus conflitos. Entre as muitas releituras que fiz, fui ao Flaubert de A educação sentimental, para entender como ele havia tratado da Revolução de 1848 com enfoque literário, e a Thomas Mann para reler os diálogos entre Naphta e Settembrini sobre temas então contemporâneos.
No mais, o livro resultou de longo processo de revisão, como sempre ocorre no meu caso. O primeiro rascunho escrevo num tempo relativamente curto, digamos, de dois anos, e passo muito mais tempo reescrevendo, fazendo cortes, buscando palavras mais apropriadas à narrativa, e até mesmo modificando a ordem de alguns acontecimentos.Suplemento Pernambuco
22 de julho de 2015
O amor nos tempos do gás lacrimogêneo.
O escritor João Almino descreve no Suplemento Pernambuco os bastidores da realização de seu novo e já aclamado romance: Enigmas da primavera, do Grupo Editorial Record.
Quando concluí meu romance anterior, Cidade livre, há mais de cinco anos, comecei a tomar notas para o novo livro, que viria a ser intitulado Enigmas da primavera. Tive dois pontos de partida. O primeiro era que eu queria centrar a história num personagem jovem, de cerca de 20 anos. Algumas das características do personagem já estavam presentes desde o começo: sua relativa desorientação diante dos dilemas do mundo contemporâneo, sua revolta contra a passividade de seu tempo, sobretudo quando confrontada com as histórias dos que viveram as transformações comportamentais dos anos sessenta do século passado ou se engajaram na luta contra a ditadura no Brasil, e seu apego à internet e às mídias sociais.
O segundo ponto de partida tinha a ver com a técnica da escrita. Em cada livro, gosto de explorar um terreno novo. Queria escrever, pela primeira vez, uma história relativamente linear em terceira pessoa, e assim fiz.
O personagem foi pouco a pouco sendo desenvolvido. Foram surgindo os membros de sua família disfuncional, seu pai, que morreu de overdose, sua mãe, internada para tratamento, os avós que o criaram em Brasília, seus outros avós, residentes em São Paulo. A relação com os avós passou a ser importante, alimentando parte dos diálogos.
Quando fui morar em Madri, em agosto de 2011, tinha lugar na cidade a Jornada Mundial da Juventude, com cerca de dez mil jovens brasileiros inscritos. O evento contaria com a presença do papa. Eu via os jovens caminhando pelo Paseo de la Castellana e outras artérias de Madri, passei pelo seu centro de acolhimento e pensei: por que não trazer meus personagens para cá neste exato momento? Tomei várias notas, fiz algumas descrições e imaginei que uma das amigas do protagonista fosse católica e se interessasse em vir a Madri para a Jornada. Ele e outra amiga a seguiriam por razões distintas.
A chegada dos personagens a Madri coincide com a existência do Movimento dos Indignados. Outros movimentos de jovens ocorrem mundo afora, nos Estados Unidos com o Occupy Wall Street, no mundo árabe. São diferentes entre si e também distintos de outros movimentos de jovens do passado, como os de maio de 68 na França ou La Movida na Espanha. O que têm em comum é serem, sobretudo, movimentos feitos por jovens, conterem um elemento de surpresa, ocorrerem fora da política tradicional e organizada, e terem uma característica de relativa horizontalidade. Esse será outro tema explorado pelo romance, cuja história chega até a época das manifestações ocorridas no Brasil em 2013.
Interessei-me pela história da Espanha, muito especialmente pela ocupação árabe e muçulmana da Península Ibérica. Tive a sorte de morar a cem metros da Biblioteca Nacional da Espanha, o que me permitiu fazer, com relativa facilidade e em geral à noite ou aos sábados, consultas a textos históricos, alguns muito antigos. Quis que os personagens fossem a Granada e construí uma história um tanto delirante para tornar “natural” a apropriação de algumas informações dessas narrativas históricas.
Para a construção de parte da trama amorosa, inspirei-me numa antiga lenda árabe, de um amor impossível entre Majnun e Layla, porém transformando-a. Lembrei-me do período em que vivi em Paris e em Beirute para contar histórias sobre os avós, pelos quais o personagem principal nutre admiração e com os quais dialoga sobre as revoltas dos jovens. Imaginei que uma das avós, a que mora em São Paulo, fosse árabe e muçulmana. No Líbano eu havia morado durante dois anos, de 1980 a 1982, o que me ajudou na concepção da personagem, de sua vivência e de seus conhecimentos. Ela serve de inspiração ao protagonista em seu desejo de se converter ao islã. Criei também um personagem conhecedor da cultura árabe e islâmica, bem como personagens menores, alguns deles radicais, para que meu personagem central pudesse explorar tanto a tradição de tolerância do islã quanto leituras jihadistas. Li o corão em tradução para o português e, algumas vezes, a cotejei com traduções para o francês e o inglês.
Um dos maiores desafios era o de escrever uma espécie de diário dos acontecimentos sem cair na tentação de usar o enfoque do historiador, do filósofo ou do jornalista, todos eles necessários, mas distintos do que a ficção exige. O que me interessava era sobretudo entender as motivações e as emoções dos personagens, confrontar uns a outros, expondo seus conflitos. Entre as muitas releituras que fiz, fui ao Flaubert de A educação sentimental, para entender como ele havia tratado da Revolução de 1848 com enfoque literário, e a Thomas Mann para reler os diálogos entre Naphta e Settembrini sobre temas então contemporâneos.
No mais, o livro resultou de longo processo de revisão, como sempre ocorre no meu caso. O primeiro rascunho escrevo num tempo relativamente curto, digamos, de dois anos, e passo muito mais tempo reescrevendo, fazendo cortes, buscando palavras mais apropriadas à narrativa, e até mesmo modificando a ordem de alguns acontecimentos.Suplemento Pernambuco
22 de julho de 2015
O amor nos tempos do gás lacrimogêneo.
O escritor João Almino descreve no Suplemento Pernambuco os bastidores da realização de seu novo e já aclamado romance: Enigmas da primavera, do Grupo Editorial Record.
Quando concluí meu romance anterior, Cidade livre, há mais de cinco anos, comecei a tomar notas para o novo livro, que viria a ser intitulado Enigmas da primavera. Tive dois pontos de partida. O primeiro era que eu queria centrar a história num personagem jovem, de cerca de 20 anos. Algumas das características do personagem já estavam presentes desde o começo: sua relativa desorientação diante dos dilemas do mundo contemporâneo, sua revolta contra a passividade de seu tempo, sobretudo quando confrontada com as histórias dos que viveram as transformações comportamentais dos anos sessenta do século passado ou se engajaram na luta contra a ditadura no Brasil, e seu apego à internet e às mídias sociais.
O segundo ponto de partida tinha a ver com a técnica da escrita. Em cada livro, gosto de explorar um terreno novo. Queria escrever, pela primeira vez, uma história relativamente linear em terceira pessoa, e assim fiz.
O personagem foi pouco a pouco sendo desenvolvido. Foram surgindo os membros de sua família disfuncional, seu pai, que morreu de overdose, sua mãe, internada para tratamento, os avós que o criaram em Brasília, seus outros avós, residentes em São Paulo. A relação com os avós passou a ser importante, alimentando parte dos diálogos.
Quando fui morar em Madri, em agosto de 2011, tinha lugar na cidade a Jornada Mundial da Juventude, com cerca de dez mil jovens brasileiros inscritos. O evento contaria com a presença do papa. Eu via os jovens caminhando pelo Paseo de la Castellana e outras artérias de Madri, passei pelo seu centro de acolhimento e pensei: por que não trazer meus personagens para cá neste exato momento? Tomei várias notas, fiz algumas descrições e imaginei que uma das amigas do protagonista fosse católica e se interessasse em vir a Madri para a Jornada. Ele e outra amiga a seguiriam por razões distintas.
A chegada dos personagens a Madri coincide com a existência do Movimento dos Indignados. Outros movimentos de jovens ocorrem mundo afora, nos Estados Unidos com o Occupy Wall Street, no mundo árabe. São diferentes entre si e também distintos de outros movimentos de jovens do passado, como os de maio de 68 na França ou La Movida na Espanha. O que têm em comum é serem, sobretudo, movimentos feitos por jovens, conterem um elemento de surpresa, ocorrerem fora da política tradicional e organizada, e terem uma característica de relativa horizontalidade. Esse será outro tema explorado pelo romance, cuja história chega até a época das manifestações ocorridas no Brasil em 2013.
Interessei-me pela história da Espanha, muito especialmente pela ocupação árabe e muçulmana da Península Ibérica. Tive a sorte de morar a cem metros da Biblioteca Nacional da Espanha, o que me permitiu fazer, com relativa facilidade e em geral à noite ou aos sábados, consultas a textos históricos, alguns muito antigos. Quis que os personagens fossem a Granada e construí uma história um tanto delirante para tornar “natural” a apropriação de algumas informações dessas narrativas históricas.
Para a construção de parte da trama amorosa, inspirei-me numa antiga lenda árabe, de um amor impossível entre Majnun e Layla, porém transformando-a. Lembrei-me do período em que vivi em Paris e em Beirute para contar histórias sobre os avós, pelos quais o personagem principal nutre admiração e com os quais dialoga sobre as revoltas dos jovens. Imaginei que uma das avós, a que mora em São Paulo, fosse árabe e muçulmana. No Líbano eu havia morado durante dois anos, de 1980 a 1982, o que me ajudou na concepção da personagem, de sua vivência e de seus conhecimentos. Ela serve de inspiração ao protagonista em seu desejo de se converter ao islã. Criei também um personagem conhecedor da cultura árabe e islâmica, bem como personagens menores, alguns deles radicais, para que meu personagem central pudesse explorar tanto a tradição de tolerância do islã quanto leituras jihadistas. Li o corão em tradução para o português e, algumas vezes, a cotejei com traduções para o francês e o inglês.
Um dos maiores desafios era o de escrever uma espécie de diário dos acontecimentos sem cair na tentação de usar o enfoque do historiador, do filósofo ou do jornalista, todos eles necessários, mas distintos do que a ficção exige. O que me interessava era sobretudo entender as motivações e as emoções dos personagens, confrontar uns a outros, expondo seus conflitos. Entre as muitas releituras que fiz, fui ao Flaubert de A educação sentimental, para entender como ele havia tratado da Revolução de 1848 com enfoque literário, e a Thomas Mann para reler os diálogos entre Naphta e Settembrini sobre temas então contemporâneos.
No mais, o livro resultou de longo processo de revisão, como sempre ocorre no meu caso. O primeiro rascunho escrevo num tempo relativamente curto, digamos, de dois anos, e passo muito mais tempo reescrevendo, fazendo cortes, buscando palavras mais apropriadas à narrativa, e até mesmo modificando a ordem de alguns acontecimentos.