CORREIO BRAZILIENSE, APARTE, domingo, 8 de novembro de 1987
Idéias para Onde Passar o Fim do Mundo é um livro difícil de definir. Pode ser chamado de um romance fotográfico, de um conto com muitos capítulos ou então um romance de muitos contos.
Armando Bulcão
Não são as idéias do cientista político João Almino que o leitor encontrará neste livro. Nada de ideologias, mas sim de apocalipse. Um apocalipse brejeiro, pré e pós-moderno, quase um instantâneo de toda a transição dos anos 70, através do alter-ego dos anos 80 – a crise de perspectiva e de idéias, que por um momento pareceu poder ser salva pelo misticismo e pelas drogas- e que foi atropelada pelo pragmatismo e individualismo desta década. Mas o autor não quer apenas contar uma história. Quer mesmo é desconstruir essa e todas as histórias, as da ficção e as históricas.
O instrumento é um espirituoso fantasma machadiano, ressuscitado de um buraco negro no universo e que retorna à cena à velocidade da luz, baixando na terra para concluir seu roteiro de cinema inacabado. A estratégia é incorporar-se à intimidade de seus personagens, lançando o leitor num jogo de sombras e de luz, de posições relativas que se complementam e se excluem. Um espírito que se diverte em desnortear o leitor: acena com referências justamente para roubá-las e que com especial prazer brinca com todos os limites– o da foto, os seus, o do roteiro, o do livro.
O cenário é Brasília, uma foto tirada no ano zero da sua inauguração. Só que o espírito não se contenta em penetrar apenas nos personagens flagrados no instantâneo. A foto não é apenas o que ela revela, mas também o que não revela — o contexto no qual está contida. Do mesmo modo, a história, que não é somente o já acontecido, mas as possibilidades — e impossibilidades – deste acontecer. Mais ainda, tal história só se dá a conhecer através da subjetividade dos seus personagens que o autor irá incorporar, quase que mediunicamente.
Assim não se deve estranhar que o presidente desta história seja negro, civil e popular. Nem muito menos que a trama, que se passa nas bordas e precipícios do poder, não se datenha aí, mas sim nos personagens, realidades da ficção, mas com a cara de Brasília – a nordestina e desiludida empregada, a linda e sensual loira vamp e vip, a irmã do presidente, a psicóloga, a roqueira, a mística delirante e sábia, o fotógrafo conquistador, autor da foto.
Mas não queira encontrar aí referências, nem históricas, nem pessoais. O livro proposi-talmente breca ante tudo e desconfia de todas as soluções, ceticamente pós-moderno: se nega a ser um romance regionalista, político, histórico, existencial, místico, ou qualquer outro gênero – se nega até mesmo a ser um romance. Ele é antes de mais nada um livro que discute seu próprio fazer. Ele não escreve histórias, mas antes, mitologiza. Brasília é apenas um plano piloto, aberto a muitos aconteceres.
O livro envereda firme por este caminho. Lida com imaginário “fantástico” do Brasil e principalmente da cidade, mas não o faz por referência, alusão ou metáfora, mas através de mitos — a democracia racial, o popular e o populismo, o poder e os despossuídos, o clima de festa e de golpe que perpassa toda nossa história republicana. Brasília, o cenário do racional e do místico; do moderno e do atrasado, do delírio e do pragmático — sexo, drogas, rock, misticismo e discos voadores pousando sobre nossas cabeças. O livro de alguma forma fixa estes mitos de nossa incipiente pré-história.
0 alter ego é os anos 80, através de Silvinha, que psicografa o espirituoso fantasma. É ela mesma quem começa a nos desvendar o mistério destas idéias: o roteiro é um roteiro do que foi contado por ela ao fantasma, quando este ainda vivia. Já aí o sinal do mitológico: uma história que alguém conta a alguém que reconta esta história. Desfazem-se aí algumas das ilusões a que o narrador nos conduziu — não apenas seus personagens deixaram de ver muita coisa, mas o próprio narrador deixou escapar muito mais.
0 que escapa à análise anti-romântica de Silvinha, só mesmo o leitor poderá responder. O certo é que paradoxalmente o fantasma termina por não escrever um roteiro de cinema em seu apocalíptlco retorno à terra — talvez mais de uma das muitas brincadeiras literárias e literais do livro. Mas nem por isso talvez se possa justificar tamanha invasão, não apenas à alma, mas a todas as linhas que cabem a cada um dos personagens. Não lhes sobra simplesmente espaço — nem mesmo letras ou palavras – para uma vida própria.
Por isso mesmo o livro não é passível de uma definição exata, não se sabe se ele é um conto de muitos capítulos ou um romance de muitos contos. Sabe-se porém que ele é rico em perfis e idéias e que seus personagens são saborosos, tipos exatos daquele desbunde coletivo dos anos 70 — quase que uma fotografia perfeita, mas não uma. halografia (o que nos permitiria ver de muitos outros ângulos, que não apenas o do narrador).
É quase que como relato mítico de como nos acostumamos à idéia de que o mundo pode acabar, do mesmo modo como nos acostumamos às tardes mortas de domingo na capital. Hoje tudo soa apenas como um ruído intermitente ao qual já nos acostumamos – e o que é apavorante: nenhuma nave mãe nos salvará.
CORREIO BRAZILIENSE, APARTE, domingo, 8 de novembro de 1987
Idéias para Onde Passar o Fim do Mundo é um livro difícil de definir. Pode ser chamado de um romance fotográfico, de um conto com muitos capítulos ou então um romance de muitos contos.
Não são as idéias do cientista político João Almino que o leitor encontrará neste livro. Nada de ideologias, mas sim de apocalipse. Um apocalipse brejeiro, pré e pós-moderno, quase um instantâneo de toda a transição dos anos 70, através do alter-ego dos anos 80 – a crise de perspectiva e de idéias, que por um momento pareceu poder ser salva pelo misticismo e pelas drogas- e que foi atropelada pelo pragmatismo e individualismo desta década. Mas o autor não quer apenas contar uma história. Quer mesmo é desconstruir essa e todas as histórias, as da ficção e as históricas.
O instrumento é um espirituoso fantasma machadiano, ressuscitado de um buraco negro no universo e que retorna à cena à velocidade da luz, baixando na terra para concluir seu roteiro de cinema inacabado. A estratégia é incorporar-se à intimidade de seus personagens, lançando o leitor num jogo de sombras e de luz, de posições relativas que se complementam e se excluem. Um espírito que se diverte em desnortear o leitor: acena com referências justamente para roubá-las e que com especial prazer brinca com todos os limites– o da foto, os seus, o do roteiro, o do livro.
O cenário é Brasília, uma foto tirada no ano zero da sua inauguração. Só que o espírito não se contenta em penetrar apenas nos personagens flagrados no instantâneo. A foto não é apenas o que ela revela, mas também o que não revela — o contexto no qual está contida. Do mesmo modo, a história, que não é somente o já acontecido, mas as possibilidades — e impossibilidades – deste acontecer. Mais ainda, tal história só se dá a conhecer através da subjetividade dos seus personagens que o autor irá incorporar, quase que mediunicamente.
Assim não se deve estranhar que o presidente desta história seja negro, civil e popular. Nem muito menos que a trama, que se passa nas bordas e precipícios do poder, não se datenha aí, mas sim nos personagens, realidades da ficção, mas com a cara de Brasília – a nordestina e desiludida empregada, a linda e sensual loira vamp e vip, a irmã do presidente, a psicóloga, a roqueira, a mística delirante e sábia, o fotógrafo conquistador, autor da foto.
Mas não queira encontrar aí referências, nem históricas, nem pessoais. O livro proposi-talmente breca ante tudo e desconfia de todas as soluções, ceticamente pós-moderno: se nega a ser um romance regionalista, político, histórico, existencial, místico, ou qualquer outro gênero – se nega até mesmo a ser um romance. Ele é antes de mais nada um livro que discute seu próprio fazer. Ele não escreve histórias, mas antes, mitologiza. Brasília é apenas um plano piloto, aberto a muitos aconteceres.
O livro envereda firme por este caminho. Lida com imaginário “fantástico” do Brasil e principalmente da cidade, mas não o faz por referência, alusão ou metáfora, mas através de mitos — a democracia racial, o popular e o populismo, o poder e os despossuídos, o clima de festa e de golpe que perpassa toda nossa história republicana. Brasília, o cenário do racional e do místico; do moderno e do atrasado, do delírio e do pragmático — sexo, drogas, rock, misticismo e discos voadores pousando sobre nossas cabeças. O livro de alguma forma fixa estes mitos de nossa incipiente pré-história.
0 alter ego é os anos 80, através de Silvinha, que psicografa o espirituoso fantasma. É ela mesma quem começa a nos desvendar o mistério destas idéias: o roteiro é um roteiro do que foi contado por ela ao fantasma, quando este ainda vivia. Já aí o sinal do mitológico: uma história que alguém conta a alguém que reconta esta história. Desfazem-se aí algumas das ilusões a que o narrador nos conduziu — não apenas seus personagens deixaram de ver muita coisa, mas o próprio narrador deixou escapar muito mais.
0 que escapa à análise anti-romântica de Silvinha, só mesmo o leitor poderá responder. O certo é que paradoxalmente o fantasma termina por não escrever um roteiro de cinema em seu apocalíptlco retorno à terra — talvez mais de uma das muitas brincadeiras literárias e literais do livro. Mas nem por isso talvez se possa justificar tamanha invasão, não apenas à alma, mas a todas as linhas que cabem a cada um dos personagens. Não lhes sobra simplesmente espaço — nem mesmo letras ou palavras – para uma vida própria.
Por isso mesmo o livro não é passível de uma definição exata, não se sabe se ele é um conto de muitos capítulos ou um romance de muitos contos. Sabe-se porém que ele é rico em perfis e idéias e que seus personagens são saborosos, tipos exatos daquele desbunde coletivo dos anos 70 — quase que uma fotografia perfeita, mas não uma. halografia (o que nos permitiria ver de muitos outros ângulos, que não apenas o do narrador).
É quase que como relato mítico de como nos acostumamos à idéia de que o mundo pode acabar, do mesmo modo como nos acostumamos às tardes mortas de domingo na capital. Hoje tudo soa apenas como um ruído intermitente ao qual já nos acostumamos – e o que é apavorante: nenhuma nave mãe nos salvará.
CORREIO BRAZILIENSE, APARTE, domingo, 8 de novembro de 1987
Idéias para Onde Passar o Fim do Mundo é um livro difícil de definir. Pode ser chamado de um romance fotográfico, de um conto com muitos capítulos ou então um romance de muitos contos.
Não são as idéias do cientista político João Almino que o leitor encontrará neste livro. Nada de ideologias, mas sim de apocalipse. Um apocalipse brejeiro, pré e pós-moderno, quase um instantâneo de toda a transição dos anos 70, através do alter-ego dos anos 80 – a crise de perspectiva e de idéias, que por um momento pareceu poder ser salva pelo misticismo e pelas drogas- e que foi atropelada pelo pragmatismo e individualismo desta década. Mas o autor não quer apenas contar uma história. Quer mesmo é desconstruir essa e todas as histórias, as da ficção e as históricas.
O instrumento é um espirituoso fantasma machadiano, ressuscitado de um buraco negro no universo e que retorna à cena à velocidade da luz, baixando na terra para concluir seu roteiro de cinema inacabado. A estratégia é incorporar-se à intimidade de seus personagens, lançando o leitor num jogo de sombras e de luz, de posições relativas que se complementam e se excluem. Um espírito que se diverte em desnortear o leitor: acena com referências justamente para roubá-las e que com especial prazer brinca com todos os limites– o da foto, os seus, o do roteiro, o do livro.
O cenário é Brasília, uma foto tirada no ano zero da sua inauguração. Só que o espírito não se contenta em penetrar apenas nos personagens flagrados no instantâneo. A foto não é apenas o que ela revela, mas também o que não revela — o contexto no qual está contida. Do mesmo modo, a história, que não é somente o já acontecido, mas as possibilidades — e impossibilidades – deste acontecer. Mais ainda, tal história só se dá a conhecer através da subjetividade dos seus personagens que o autor irá incorporar, quase que mediunicamente.
Assim não se deve estranhar que o presidente desta história seja negro, civil e popular. Nem muito menos que a trama, que se passa nas bordas e precipícios do poder, não se datenha aí, mas sim nos personagens, realidades da ficção, mas com a cara de Brasília – a nordestina e desiludida empregada, a linda e sensual loira vamp e vip, a irmã do presidente, a psicóloga, a roqueira, a mística delirante e sábia, o fotógrafo conquistador, autor da foto.
Mas não queira encontrar aí referências, nem históricas, nem pessoais. O livro proposi-talmente breca ante tudo e desconfia de todas as soluções, ceticamente pós-moderno: se nega a ser um romance regionalista, político, histórico, existencial, místico, ou qualquer outro gênero – se nega até mesmo a ser um romance. Ele é antes de mais nada um livro que discute seu próprio fazer. Ele não escreve histórias, mas antes, mitologiza. Brasília é apenas um plano piloto, aberto a muitos aconteceres.
O livro envereda firme por este caminho. Lida com imaginário “fantástico” do Brasil e principalmente da cidade, mas não o faz por referência, alusão ou metáfora, mas através de mitos — a democracia racial, o popular e o populismo, o poder e os despossuídos, o clima de festa e de golpe que perpassa toda nossa história republicana. Brasília, o cenário do racional e do místico; do moderno e do atrasado, do delírio e do pragmático — sexo, drogas, rock, misticismo e discos voadores pousando sobre nossas cabeças. O livro de alguma forma fixa estes mitos de nossa incipiente pré-história.
0 alter ego é os anos 80, através de Silvinha, que psicografa o espirituoso fantasma. É ela mesma quem começa a nos desvendar o mistério destas idéias: o roteiro é um roteiro do que foi contado por ela ao fantasma, quando este ainda vivia. Já aí o sinal do mitológico: uma história que alguém conta a alguém que reconta esta história. Desfazem-se aí algumas das ilusões a que o narrador nos conduziu — não apenas seus personagens deixaram de ver muita coisa, mas o próprio narrador deixou escapar muito mais.
0 que escapa à análise anti-romântica de Silvinha, só mesmo o leitor poderá responder. O certo é que paradoxalmente o fantasma termina por não escrever um roteiro de cinema em seu apocalíptlco retorno à terra — talvez mais de uma das muitas brincadeiras literárias e literais do livro. Mas nem por isso talvez se possa justificar tamanha invasão, não apenas à alma, mas a todas as linhas que cabem a cada um dos personagens. Não lhes sobra simplesmente espaço — nem mesmo letras ou palavras – para uma vida própria.
Por isso mesmo o livro não é passível de uma definição exata, não se sabe se ele é um conto de muitos capítulos ou um romance de muitos contos. Sabe-se porém que ele é rico em perfis e idéias e que seus personagens são saborosos, tipos exatos daquele desbunde coletivo dos anos 70 — quase que uma fotografia perfeita, mas não uma. halografia (o que nos permitiria ver de muitos outros ângulos, que não apenas o do narrador).
É quase que como relato mítico de como nos acostumamos à idéia de que o mundo pode acabar, do mesmo modo como nos acostumamos às tardes mortas de domingo na capital. Hoje tudo soa apenas como um ruído intermitente ao qual já nos acostumamos – e o que é apavorante: nenhuma nave mãe nos salvará.
CORREIO BRAZILIENSE, APARTE, domingo, 8 de novembro de 1987
Idéias para Onde Passar o Fim do Mundo é um livro difícil de definir. Pode ser chamado de um romance fotográfico, de um conto com muitos capítulos ou então um romance de muitos contos.
Não são as idéias do cientista político João Almino que o leitor encontrará neste livro. Nada de ideologias, mas sim de apocalipse. Um apocalipse brejeiro, pré e pós-moderno, quase um instantâneo de toda a transição dos anos 70, através do alter-ego dos anos 80 – a crise de perspectiva e de idéias, que por um momento pareceu poder ser salva pelo misticismo e pelas drogas- e que foi atropelada pelo pragmatismo e individualismo desta década. Mas o autor não quer apenas contar uma história. Quer mesmo é desconstruir essa e todas as histórias, as da ficção e as históricas.
O instrumento é um espirituoso fantasma machadiano, ressuscitado de um buraco negro no universo e que retorna à cena à velocidade da luz, baixando na terra para concluir seu roteiro de cinema inacabado. A estratégia é incorporar-se à intimidade de seus personagens, lançando o leitor num jogo de sombras e de luz, de posições relativas que se complementam e se excluem. Um espírito que se diverte em desnortear o leitor: acena com referências justamente para roubá-las e que com especial prazer brinca com todos os limites– o da foto, os seus, o do roteiro, o do livro.
O cenário é Brasília, uma foto tirada no ano zero da sua inauguração. Só que o espírito não se contenta em penetrar apenas nos personagens flagrados no instantâneo. A foto não é apenas o que ela revela, mas também o que não revela — o contexto no qual está contida. Do mesmo modo, a história, que não é somente o já acontecido, mas as possibilidades — e impossibilidades – deste acontecer. Mais ainda, tal história só se dá a conhecer através da subjetividade dos seus personagens que o autor irá incorporar, quase que mediunicamente.
Assim não se deve estranhar que o presidente desta história seja negro, civil e popular. Nem muito menos que a trama, que se passa nas bordas e precipícios do poder, não se datenha aí, mas sim nos personagens, realidades da ficção, mas com a cara de Brasília – a nordestina e desiludida empregada, a linda e sensual loira vamp e vip, a irmã do presidente, a psicóloga, a roqueira, a mística delirante e sábia, o fotógrafo conquistador, autor da foto.
Mas não queira encontrar aí referências, nem históricas, nem pessoais. O livro proposi-talmente breca ante tudo e desconfia de todas as soluções, ceticamente pós-moderno: se nega a ser um romance regionalista, político, histórico, existencial, místico, ou qualquer outro gênero – se nega até mesmo a ser um romance. Ele é antes de mais nada um livro que discute seu próprio fazer. Ele não escreve histórias, mas antes, mitologiza. Brasília é apenas um plano piloto, aberto a muitos aconteceres.
O livro envereda firme por este caminho. Lida com imaginário “fantástico” do Brasil e principalmente da cidade, mas não o faz por referência, alusão ou metáfora, mas através de mitos — a democracia racial, o popular e o populismo, o poder e os despossuídos, o clima de festa e de golpe que perpassa toda nossa história republicana. Brasília, o cenário do racional e do místico; do moderno e do atrasado, do delírio e do pragmático — sexo, drogas, rock, misticismo e discos voadores pousando sobre nossas cabeças. O livro de alguma forma fixa estes mitos de nossa incipiente pré-história.
0 alter ego é os anos 80, através de Silvinha, que psicografa o espirituoso fantasma. É ela mesma quem começa a nos desvendar o mistério destas idéias: o roteiro é um roteiro do que foi contado por ela ao fantasma, quando este ainda vivia. Já aí o sinal do mitológico: uma história que alguém conta a alguém que reconta esta história. Desfazem-se aí algumas das ilusões a que o narrador nos conduziu — não apenas seus personagens deixaram de ver muita coisa, mas o próprio narrador deixou escapar muito mais.
0 que escapa à análise anti-romântica de Silvinha, só mesmo o leitor poderá responder. O certo é que paradoxalmente o fantasma termina por não escrever um roteiro de cinema em seu apocalíptlco retorno à terra — talvez mais de uma das muitas brincadeiras literárias e literais do livro. Mas nem por isso talvez se possa justificar tamanha invasão, não apenas à alma, mas a todas as linhas que cabem a cada um dos personagens. Não lhes sobra simplesmente espaço — nem mesmo letras ou palavras – para uma vida própria.
Por isso mesmo o livro não é passível de uma definição exata, não se sabe se ele é um conto de muitos capítulos ou um romance de muitos contos. Sabe-se porém que ele é rico em perfis e idéias e que seus personagens são saborosos, tipos exatos daquele desbunde coletivo dos anos 70 — quase que uma fotografia perfeita, mas não uma. halografia (o que nos permitiria ver de muitos outros ângulos, que não apenas o do narrador).
É quase que como relato mítico de como nos acostumamos à idéia de que o mundo pode acabar, do mesmo modo como nos acostumamos às tardes mortas de domingo na capital. Hoje tudo soa apenas como um ruído intermitente ao qual já nos acostumamos – e o que é apavorante: nenhuma nave mãe nos salvará.