Um mergulho na cultura árabe, Enigmas da Primavera, de João Almino

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Caderno 3, DIÁRIO DO NORDESTE
26 de novembro de 2016

Um mergulho na cultura árabe
Romance “Enigmas da Primavera”, de João Almino, ganha leitura do crítico literário Adelto Gonçalves
por Adelto Gonçalves* – Especial para ao Caderno 3

I

Se para conhecer a São Petersburgo do século XIX, é preciso ler Fiódor Dostoiévski (1821-1881), tal como para descobrir detalhes do Rio de Janeiro do final daquele século é fundamental percorrer os romances de Machado de Assis (1839-1908), daqui a cem anos, certamente, para saber como era (ou é) a cidade de Brasília (e o Brasil) deste começo de século XXI, será necessário ler Enigmas da Primavera (Rio de Janeiro: Editora Record, 2015), o novo (e sexto) romance do diplomata João Almino (1950). Trata-se da primeira obra de peso na literatura brasileira que não só traz para as páginas da ficção os movimentos políticos dos últimos anos, conforme observou o crítico Manuel da Costa Pinto (Folha de S. Paulo, 16/10/2015), como incorpora na prosa as novas tecnologias e formas de comunicação, como o e-mail, o iPhone, o iPad, o Facebook, o WhatsApp e outras redes sociais.

Obra do autor dosa ficção e não ficção

A partir das chamadas Jornadas de Junho, que agitaram as grandes cidades brasileiras em 2013, o autor cria um jovem personagem, Majnun, neto de um antigo esquerdista, simpatizante da luta armada contra a ditadura civil-militar (1964-1985), que, a exemplo daqueles que foram às ruas, não sabe bem o que quer nem para onde ir. “Se não fosse a companhia de seu laptop, de seu iPhone e de seu iPad, seu mundo não seria mais do que uns poucos centímetros de chão de cimento rachado”, diz o narrador. Com o pai morto por overdose de droga e a mãe, viciada e psicótica, sem condições para assumir sua criação, os avós de Majnun seriam os seus verdadeiros progenitores,
Apaixonado pela cultura muçulmana, Majnun sonha abandonar a casa do avô e ganhar o mundo, indo de Brasília para Madri e, em seguida, para Granada, à época do 15-M (15 de maio de 2011), movimento de protesto que ganhou as ruas da capital espanhola, e da Primavera Árabe, que marcou a queda de vários regimes ditatoriais no Oriente Médio.
Como um protagonista de romance picaresco, Majnun está em vários lugares, vê o mundo de fora, mas acaba por não se integrar à sociedade. “Aos 20 anos, ele era uma tela em branco”, diz o narrador. Não tinha vocação para se tornar militante político, como fora seu avô. “Não havia mais ditadura contra a qual lutar, e não era suficiente juntar-se à mediocridade, agregar uma pequena peça na engrenagem, corrigir uma injustiça aqui e outra ali, fazer um trabalho de formiguinha, tapar um buraco, consertar um defeito. Sua avó Elvira fazia projetos para prefeituras. Mas ele nunca conseguiria ser prático (…)”.

Romance captura momento político, de incertezas históricas, ruína ideológica e agitação social em meio mundo

II
Encantado pelas fábulas e histórias do mundo árabe e em busca de suas raízes, o protagonista do romance depara-se com o paradoxo multissecular do fundamentalismo islâmico, que, em seus primórdios, assumia a tolerância como comportamento ético, mas que, hoje, dividido por facções radicais, faz da intolerância o seu lema. Por isso, romântico, contraditório e imprevisível, Majnun encarnaria as idiossincrasias da juventude dos dias de hoje. “Majnun é um jovem enfadado com seu cotidiano, que busca preencher seu vazio nas redes sociais. Tem todo um futuro pela frente, que, em vez de alimentar sua utopia, o faz mergulhar inicialmente num pensamento antiutópico, já que flerta com a volta a um passado que nunca vivenciou”, diz o narrador.
Dividido pela atração por três mulheres – especialmente, Laila, casada, mais velha que ele quinze anos –, Majnun, “o homem que amava demais”, envolve-se numa trama densa e sedutora, que atrai do começo ao fim. E que ao mesmo tempo, não só consagra como mostra o perfeito domínio que o ficcionista João Almino tem de seu ofício, ao passar ao leitor uma reflexão sobre o atual estágio político do Brasil deste século em que os jovens não vêem a saída nem o futuro e protestam sem saber o que colocar no lugar daqueles que lhes causam repulsa porque não encontram líderes confiáveis.
III
Não bastasse a erudição do autor, que, de fato, preparou-se para escrever este romance, mergulhando no estudo da história árabe e de sua influência na Espanha de ontem e de hoje, o livro traz ainda um percuciente e esclarecedor prefácio de João Cezar de Castro Rocha, que ajuda o leitor a conhecer os caminhos que o romancista percorreu para construir a sua ficção neste livro labiríntico, ao mostrar que a trama de Enigmas da Primavera “atualiza, ou seja, transforma, a mais divulgada história de amor da literatura árabe, transmitida oralmente e codificada, no século XII, pelo poeta persa Nizami – e, desde então, reescrita um sem-fim de vezes”. De fato, como observa o prefaciador, o protagonista do romance carrega o nome do personagem do poema de Nizâmî ou Nizman ou Nezami Ganjavi (1141-1209), “Layla y Majnún”, que tem um pequeno trecho reproduzido como epígrafe em tradução de Jordi Quingles.
Como se sabe, “Laila e Majnun”, uma espécie de “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare (1564-1616), da literatura persa, é um conto folclórico em versos e seu protagonista está associado a um homem que, de fato, teria existido, Qays Ibn al-Mulawwah, que viveu, provavelmente, na segunda metade do século VII d.C., no deserto de Najd, na Península Árabe. Esse poema épico, dedicado ao rei Shirvanshah, com cerca de 8 mil versos, em 1188, tornou-se tema de populares canções, sonetos e odes de amor entre os beduínos ao longo dos séculos.

* Doutor em Literatura Portuguesa pela USP e autor de livros como “Os vira-latas da madrugada”, “Gonzaga, um poeta do Iluminismo” e “Bocage – o perfil perdido”.

http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/caderno-3/um-mergulho-na-cultura-arabe-1.1658170[:en]Caderno 3, DIÁRIO DO NORDESTE
26 de novembro de 2016

Um mergulho na cultura árabe
Romance “Enigmas da Primavera”, de João Almino, ganha leitura do crítico literário Adelto Gonçalves
por Adelto Gonçalves* – Especial para ao Caderno 3

I

Se para conhecer a São Petersburgo do século XIX, é preciso ler Fiódor Dostoiévski (1821-1881), tal como para descobrir detalhes do Rio de Janeiro do final daquele século é fundamental percorrer os romances de Machado de Assis (1839-1908), daqui a cem anos, certamente, para saber como era (ou é) a cidade de Brasília (e o Brasil) deste começo de século XXI, será necessário ler Enigmas da Primavera (Rio de Janeiro: Editora Record, 2015), o novo (e sexto) romance do diplomata João Almino (1950). Trata-se da primeira obra de peso na literatura brasileira que não só traz para as páginas da ficção os movimentos políticos dos últimos anos, conforme observou o crítico Manuel da Costa Pinto (Folha de S. Paulo, 16/10/2015), como incorpora na prosa as novas tecnologias e formas de comunicação, como o e-mail, o iPhone, o iPad, o Facebook, o WhatsApp e outras redes sociais.

Obra do autor dosa ficção e não ficção

A partir das chamadas Jornadas de Junho, que agitaram as grandes cidades brasileiras em 2013, o autor cria um jovem personagem, Majnun, neto de um antigo esquerdista, simpatizante da luta armada contra a ditadura civil-militar (1964-1985), que, a exemplo daqueles que foram às ruas, não sabe bem o que quer nem para onde ir. “Se não fosse a companhia de seu laptop, de seu iPhone e de seu iPad, seu mundo não seria mais do que uns poucos centímetros de chão de cimento rachado”, diz o narrador. Com o pai morto por overdose de droga e a mãe, viciada e psicótica, sem condições para assumir sua criação, os avós de Majnun seriam os seus verdadeiros progenitores,
Apaixonado pela cultura muçulmana, Majnun sonha abandonar a casa do avô e ganhar o mundo, indo de Brasília para Madri e, em seguida, para Granada, à época do 15-M (15 de maio de 2011), movimento de protesto que ganhou as ruas da capital espanhola, e da Primavera Árabe, que marcou a queda de vários regimes ditatoriais no Oriente Médio.
Como um protagonista de romance picaresco, Majnun está em vários lugares, vê o mundo de fora, mas acaba por não se integrar à sociedade. “Aos 20 anos, ele era uma tela em branco”, diz o narrador. Não tinha vocação para se tornar militante político, como fora seu avô. “Não havia mais ditadura contra a qual lutar, e não era suficiente juntar-se à mediocridade, agregar uma pequena peça na engrenagem, corrigir uma injustiça aqui e outra ali, fazer um trabalho de formiguinha, tapar um buraco, consertar um defeito. Sua avó Elvira fazia projetos para prefeituras. Mas ele nunca conseguiria ser prático (…)”.

Romance captura momento político, de incertezas históricas, ruína ideológica e agitação social em meio mundo

II
Encantado pelas fábulas e histórias do mundo árabe e em busca de suas raízes, o protagonista do romance depara-se com o paradoxo multissecular do fundamentalismo islâmico, que, em seus primórdios, assumia a tolerância como comportamento ético, mas que, hoje, dividido por facções radicais, faz da intolerância o seu lema. Por isso, romântico, contraditório e imprevisível, Majnun encarnaria as idiossincrasias da juventude dos dias de hoje. “Majnun é um jovem enfadado com seu cotidiano, que busca preencher seu vazio nas redes sociais. Tem todo um futuro pela frente, que, em vez de alimentar sua utopia, o faz mergulhar inicialmente num pensamento antiutópico, já que flerta com a volta a um passado que nunca vivenciou”, diz o narrador.
Dividido pela atração por três mulheres – especialmente, Laila, casada, mais velha que ele quinze anos –, Majnun, “o homem que amava demais”, envolve-se numa trama densa e sedutora, que atrai do começo ao fim. E que ao mesmo tempo, não só consagra como mostra o perfeito domínio que o ficcionista João Almino tem de seu ofício, ao passar ao leitor uma reflexão sobre o atual estágio político do Brasil deste século em que os jovens não vêem a saída nem o futuro e protestam sem saber o que colocar no lugar daqueles que lhes causam repulsa porque não encontram líderes confiáveis.
III
Não bastasse a erudição do autor, que, de fato, preparou-se para escrever este romance, mergulhando no estudo da história árabe e de sua influência na Espanha de ontem e de hoje, o livro traz ainda um percuciente e esclarecedor prefácio de João Cezar de Castro Rocha, que ajuda o leitor a conhecer os caminhos que o romancista percorreu para construir a sua ficção neste livro labiríntico, ao mostrar que a trama de Enigmas da Primavera “atualiza, ou seja, transforma, a mais divulgada história de amor da literatura árabe, transmitida oralmente e codificada, no século XII, pelo poeta persa Nizami – e, desde então, reescrita um sem-fim de vezes”. De fato, como observa o prefaciador, o protagonista do romance carrega o nome do personagem do poema de Nizâmî ou Nizman ou Nezami Ganjavi (1141-1209), “Layla y Majnún”, que tem um pequeno trecho reproduzido como epígrafe em tradução de Jordi Quingles.
Como se sabe, “Laila e Majnun”, uma espécie de “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare (1564-1616), da literatura persa, é um conto folclórico em versos e seu protagonista está associado a um homem que, de fato, teria existido, Qays Ibn al-Mulawwah, que viveu, provavelmente, na segunda metade do século VII d.C., no deserto de Najd, na Península Árabe. Esse poema épico, dedicado ao rei Shirvanshah, com cerca de 8 mil versos, em 1188, tornou-se tema de populares canções, sonetos e odes de amor entre os beduínos ao longo dos séculos.

* Doutor em Literatura Portuguesa pela USP e autor de livros como “Os vira-latas da madrugada”, “Gonzaga, um poeta do Iluminismo” e “Bocage – o perfil perdido”.

http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/caderno-3/um-mergulho-na-cultura-arabe-1.1658170[:es]Caderno 3, DIÁRIO DO NORDESTE
26 de novembro de 2016

Um mergulho na cultura árabe
Romance “Enigmas da Primavera”, de João Almino, ganha leitura do crítico literário Adelto Gonçalves
por Adelto Gonçalves* – Especial para ao Caderno 3

I

Se para conhecer a São Petersburgo do século XIX, é preciso ler Fiódor Dostoiévski (1821-1881), tal como para descobrir detalhes do Rio de Janeiro do final daquele século é fundamental percorrer os romances de Machado de Assis (1839-1908), daqui a cem anos, certamente, para saber como era (ou é) a cidade de Brasília (e o Brasil) deste começo de século XXI, será necessário ler Enigmas da Primavera (Rio de Janeiro: Editora Record, 2015), o novo (e sexto) romance do diplomata João Almino (1950). Trata-se da primeira obra de peso na literatura brasileira que não só traz para as páginas da ficção os movimentos políticos dos últimos anos, conforme observou o crítico Manuel da Costa Pinto (Folha de S. Paulo, 16/10/2015), como incorpora na prosa as novas tecnologias e formas de comunicação, como o e-mail, o iPhone, o iPad, o Facebook, o WhatsApp e outras redes sociais.

Obra do autor dosa ficção e não ficção

A partir das chamadas Jornadas de Junho, que agitaram as grandes cidades brasileiras em 2013, o autor cria um jovem personagem, Majnun, neto de um antigo esquerdista, simpatizante da luta armada contra a ditadura civil-militar (1964-1985), que, a exemplo daqueles que foram às ruas, não sabe bem o que quer nem para onde ir. “Se não fosse a companhia de seu laptop, de seu iPhone e de seu iPad, seu mundo não seria mais do que uns poucos centímetros de chão de cimento rachado”, diz o narrador. Com o pai morto por overdose de droga e a mãe, viciada e psicótica, sem condições para assumir sua criação, os avós de Majnun seriam os seus verdadeiros progenitores,
Apaixonado pela cultura muçulmana, Majnun sonha abandonar a casa do avô e ganhar o mundo, indo de Brasília para Madri e, em seguida, para Granada, à época do 15-M (15 de maio de 2011), movimento de protesto que ganhou as ruas da capital espanhola, e da Primavera Árabe, que marcou a queda de vários regimes ditatoriais no Oriente Médio.
Como um protagonista de romance picaresco, Majnun está em vários lugares, vê o mundo de fora, mas acaba por não se integrar à sociedade. “Aos 20 anos, ele era uma tela em branco”, diz o narrador. Não tinha vocação para se tornar militante político, como fora seu avô. “Não havia mais ditadura contra a qual lutar, e não era suficiente juntar-se à mediocridade, agregar uma pequena peça na engrenagem, corrigir uma injustiça aqui e outra ali, fazer um trabalho de formiguinha, tapar um buraco, consertar um defeito. Sua avó Elvira fazia projetos para prefeituras. Mas ele nunca conseguiria ser prático (…)”.

Romance captura momento político, de incertezas históricas, ruína ideológica e agitação social em meio mundo

II
Encantado pelas fábulas e histórias do mundo árabe e em busca de suas raízes, o protagonista do romance depara-se com o paradoxo multissecular do fundamentalismo islâmico, que, em seus primórdios, assumia a tolerância como comportamento ético, mas que, hoje, dividido por facções radicais, faz da intolerância o seu lema. Por isso, romântico, contraditório e imprevisível, Majnun encarnaria as idiossincrasias da juventude dos dias de hoje. “Majnun é um jovem enfadado com seu cotidiano, que busca preencher seu vazio nas redes sociais. Tem todo um futuro pela frente, que, em vez de alimentar sua utopia, o faz mergulhar inicialmente num pensamento antiutópico, já que flerta com a volta a um passado que nunca vivenciou”, diz o narrador.
Dividido pela atração por três mulheres – especialmente, Laila, casada, mais velha que ele quinze anos –, Majnun, “o homem que amava demais”, envolve-se numa trama densa e sedutora, que atrai do começo ao fim. E que ao mesmo tempo, não só consagra como mostra o perfeito domínio que o ficcionista João Almino tem de seu ofício, ao passar ao leitor uma reflexão sobre o atual estágio político do Brasil deste século em que os jovens não vêem a saída nem o futuro e protestam sem saber o que colocar no lugar daqueles que lhes causam repulsa porque não encontram líderes confiáveis.
III
Não bastasse a erudição do autor, que, de fato, preparou-se para escrever este romance, mergulhando no estudo da história árabe e de sua influência na Espanha de ontem e de hoje, o livro traz ainda um percuciente e esclarecedor prefácio de João Cezar de Castro Rocha, que ajuda o leitor a conhecer os caminhos que o romancista percorreu para construir a sua ficção neste livro labiríntico, ao mostrar que a trama de Enigmas da Primavera “atualiza, ou seja, transforma, a mais divulgada história de amor da literatura árabe, transmitida oralmente e codificada, no século XII, pelo poeta persa Nizami – e, desde então, reescrita um sem-fim de vezes”. De fato, como observa o prefaciador, o protagonista do romance carrega o nome do personagem do poema de Nizâmî ou Nizman ou Nezami Ganjavi (1141-1209), “Layla y Majnún”, que tem um pequeno trecho reproduzido como epígrafe em tradução de Jordi Quingles.
Como se sabe, “Laila e Majnun”, uma espécie de “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare (1564-1616), da literatura persa, é um conto folclórico em versos e seu protagonista está associado a um homem que, de fato, teria existido, Qays Ibn al-Mulawwah, que viveu, provavelmente, na segunda metade do século VII d.C., no deserto de Najd, na Península Árabe. Esse poema épico, dedicado ao rei Shirvanshah, com cerca de 8 mil versos, em 1188, tornou-se tema de populares canções, sonetos e odes de amor entre os beduínos ao longo dos séculos.

* Doutor em Literatura Portuguesa pela USP e autor de livros como “Os vira-latas da madrugada”, “Gonzaga, um poeta do Iluminismo” e “Bocage – o perfil perdido”.

http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/caderno-3/um-mergulho-na-cultura-arabe-1.1658170[:fr]Tlaxcala, Culture et Communication, le 3 Décembre 2016

Une plongée dans la culture arabe : Enigmas da Primavera , un roman brésilien de João Almino

Adelto Gonçalves

Traduzido por Jacques Boutard
Edité par Fausto Giudice Фаусто Джудиче فاوستو جيوديشي

Si, pour connaître la Saint-Pétersbourg du 19e siècle il est nécessaire de lire Fiodor Dostoïevski (1821-1881), tout comme pour découvrir en détail la Rio de Janeiro de la fin du même siècle, il est essentiel de lire les romans de Machado de Assis (1839-1908), dans une centaine d’années il sera certainement nécessaire, pour savoir comment était (ou est) la ville de Brasilia (et le Brésil) de ce début de 21e siècle, de lire Enigmas da Primavera [Les énigmes du Printemps], (Rio de Janeiro: Editora Record, 2015), sixième et dernier roman en date du diplomate João Almino (1950). Ceci est la première œuvre importante dans la littérature brésilienne, qui non seulement évoque dans ses pages les mouvements politiques de ces dernières années, comme l’a noté le critique Manuel da Costa Pinto (Folha de S. Paulo, 16/10/2015), mais introduit également dans la prose les nouvelles technologies et les nouvelles formes de communication, comme le courrier électronique, l’iPad, Facebook, WhatsApp et autres réseaux sociaux.

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Brésil, juin 2013 : “Il y a tant de choses qui ne vont pas qu’elles n’entrent pas dans une pancarte”

Espagne, 2011 : “Nos rêves n’entrent pas dans vos urnes”

À partir de ce qu’on a appelé les Journées de Juin, qui ont secoué les grandes villes brésiliennes en 2013, l’auteur crée un jeune personnage, Majnoun, petit-fils d’un vieux gauchiste sympathisant de la lutte armée contre la dictature “civile-militaire” (1964-1985), qui, à l’instar de ceux qui descendirent dans les rues, ne sait pas bien ce qu’il veut ni où il veut aller. “Sans son laptop, son iPhone et son iPad, son monde ne serait pas plus grand que quelques centimètres de ciment fissuré”, selon le narrateur. Son père étant mort d’une overdose, et sa mère toxico et psychotique n’ayant pas les moyens d’assurer son éducation, ce sont les grands-parents de Majnoun qui lui tiennent lieu de vrais parents.

Passionné par la culture musulmane, Majnoun rêve de quitter la maison de ses grands-parents et de voir le monde. Il quitte Brasilia pour Madrid, et de là part immédiatement à Grenade à l’époque qui a vu la naissance du 15-M (15 mai 2011), le mouvement de protestation qui a gagné les rues de la capitale espagnole, ainsi que du Printemps Arabe, qui a vu la chute de plusieurs régimes dictatoriaux dans le monde arabe.

Comme le protagoniste d’un roman picaresque, Majnoun se retrouve en différents endroits, regardant le monde depuis l’extérieur, mais ne réussissant pas à s’intégrer à la société. “À 20 ans, il était comme une toile blanche”, dit le narrateur. Il n’avait pas de vocation à devenir militant politique comme l’avait été son grand-père. “Il n’y avait plus de dictature contre laquelle lutter, et il ne se satisfaisait pas de se fondre dans la médiocrité ambiante, pour ajouter une petite pièce à l’engrenage, redresser un tort ici ou là, faire un travail de fourmi, boucher un trou, corriger un défaut. Sa grand-mère projetait de le faire entrer dans la fonction publique. Mais jamais il ne serait capable d’acquérir le sens pratique (…)”.

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II

Envoûté par les fables et les histoires du monde arabe, à la recherche de ses racines, le protagoniste du roman se trouve confronté au paradoxe pluriséculaire du fondamentalisme islamique, qui comptait à l’origine l’esprit de tolérance parmi ses principes éthiques fondamentaux, mais qui aujourd’hui, divisé entre factions radicales, fait de l’intolérance sa règle de conduite. Ainsi, par son tempérament romantique, contradictoire et imprévisible, Majnoun incarnerait les idiosyncrasies de la jeunesse d’aujourd’hui. “Majnoun est un jeune homme que la vie quotidienne ennuie, et qui cherche à combler son vide intérieur sur les réseaux sociaux. Il a devant lui tout un avenir qui, au lieu de nourrir son imaginaire, le plonge dans une pensée anti-utopique, l’incitant à flirter avec un passé qu’il n’a jamais connu”, selon le narrateur. Majnoun, il faut le préciser, signifie “fou” en arabe.

Écartelé par l’attirance qu’il ressent pour trois femmes différentes – particulièrement pour Leila, mariée, de quinze ans son aînée –, Majnoun, “l’homme qui aimait trop”, se trouve embringué dans une intrigue dense et passionnante, qui captive du début à la fin. Et qui en même temps démontre la parfaite maîtrise que le romancier João Almino a de son art, quand il partage avec le lecteur une réflexion sur l’état actuel de la scène politique du Brésil de notre siècle, où les jeunes ne voient ni issue ni avenir et protestent sans savoir qui mettre à la place de ceux pour qui ils n’éprouvent que répulsion, parce qu’ils ne trouvent pas de leaders dignes de leur confiance.

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III

Comme si l’érudition de l’auteur ne suffisait pas – celui-ci, en effet, s’est préparé à l’écriture de ce roman en se plongeant dans l’étude de l’histoire arabe et de son influence sur l’Espagne d’hier et d’aujourd’hui –, le livre comporte de surcroît une préface percutante de João Cezar de Castro Rocha, qui éclaire le lecteur et l’aide à découvrir les sentiers qu’a parcourus le romancier pour tisser la trame de ce livre labyrinthique, en lui montrant que l’intrigue de Enigmas da Primavera “actualise, ou, pour mieux dire, transforme l’histoire d’amour la plus diffusée de la littérature arabe, transmise oralement et codifiée par le poète persan Nizami au douzième siècle – et réécrite depuis lors à maintes reprises”. En effet, comme le note le préfacier, le protagoniste porte le nom du personnage du poème de Nizâmî ou Nizman ou Nezami Ganjavi (1141-1209), “Leyla et Majnoun”, dont un court extrait est reproduit en épigraphe dans le livre, dans une traduction de Jordi Quingles.

On sait que “Leyla et Majnoun”, conte populaire en vers sur un personnage qui aurait existé, est en quelque sorte l’équivalent pour la littérature perse du “Roméo et Juliette” de William Shakespeare (1564-1616). Ce poème épique de l’an 1188, de quelque 8 000 vers, dédiés au roi Shirvanshah, est depuis des siècles auprès des Bédouins la source de chansons populaires, de sonnets et d’odes à l’amour. Il est censé évoquer Qays Ibn Al Moullawah, qui aurait vécu dans la seconde moitié du 7ème siècle de l’ère chrétienne dans le désert du Najd, dans la péninsule Arabique.

IV

João Almino, diplomate, né à Mossoró, dans l’État du Rio Grande do Norte, est l’auteur de six romans. Il a fait son doctorat à Paris sous la direction du philosophe Claude Lefort (1924-2010), ancien professeur à la Sorbonne, à l’École des Hautes Études en Sciences Sociales et à l’Université de São Paulo (USP). Claude Lefort avait été l’élève du philosophe Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), de l’école phénoménologiste, dont Claude Lefort a édité les publications posthumes.

Almino a enseigné à l’Université Nationale Autonome de Mexico (Unam), à l’Université de Stanford et à l’Université de Chicago, aux USA. Une partie de son œuvre a été traduite entre autres en anglais, en français, en espagnol et en italien. Il a également écrit des essais d’histoire et de philosophie politique, qui servent de références pour les étudiants de l’autoritarisme et de la démocratie.

João Almino a reçu de nombreux prix littéraires comme le Casa de las Américas en 2003 et le Prix Passo Fundo Zaffari & Bourbon de Littérature du meilleur roman publié en langue portugaise de 2011. Il est l’auteur, entre autres, de Ideias para Onde Passar o Fim do Mundo (Prix de l’Institut National du Livre, Prix Candango de Littérature 1987), Samba-Enredo, (1994), As Cinco Estações do Amor [Les cinq saisons de l’amour] (2001), O Livro das Emoções (2008) e Cidade Livre (2010) [éd. française Hôtel Brasília, Métailié 2012]

Dans la catégorie Essais, il est l’auteur de : Os Democratas Autoritários [Les Démocrates autoritaires] (1980), A Idade do Presente [L’âge du présent](1985), Era uma vez uma Constituinte [Il était une fois une Constituante] (1985), O Segredo e a Informação [Le Secret et l’Information] (1986), Brasil-EUA: Balanço Poético [Brésil-USA : Equilibre Poétique (1996), Literatura Brasileira e Portuguesa Ano 2000, organizado com Arnaldo Saraiva [Littérature Brésilienne et Portugaise an 2000, en collaboration avec Arnaldo Saraiva] (2000), Rio Branco, a América do Sul e a Modernização do Brasil, organizado com Carlos Henrique Cardim [Rio Branco, l’Amérique du Sud et la Modernisation du Brésil, en collaboration avec Carlos Henrique Cardim} (2002), Naturezas Mortas – A Filosofia Política do Ecologismo [Natures Mortes – La Philosphie Politique de l’Ecologie Politique] (2004), Escrita em Contraponto – Ensaios Literários [Ecriture en Contrepoint – Essais Littéraires] (2008) et O Diabrete Angélico e o Pavão: enredo e amor possíveis em Brás Cubas [Le Diable Angélique et le Paon: intrigue et amour possibles chez Brás Cubas] (2009).

Caderno 3, DIÁRIO DO NORDESTE
26 de novembro de 2016

Um mergulho na cultura árabe
Romance “Enigmas da Primavera”, de João Almino, ganha leitura do crítico literário Adelto Gonçalves
por Adelto Gonçalves* – Especial para ao Caderno 3

I

Se para conhecer a São Petersburgo do século XIX, é preciso ler Fiódor Dostoiévski (1821-1881), tal como para descobrir detalhes do Rio de Janeiro do final daquele século é fundamental percorrer os romances de Machado de Assis (1839-1908), daqui a cem anos, certamente, para saber como era (ou é) a cidade de Brasília (e o Brasil) deste começo de século XXI, será necessário ler Enigmas da Primavera (Rio de Janeiro: Editora Record, 2015), o novo (e sexto) romance do diplomata João Almino (1950). Trata-se da primeira obra de peso na literatura brasileira que não só traz para as páginas da ficção os movimentos políticos dos últimos anos, conforme observou o crítico Manuel da Costa Pinto (Folha de S. Paulo, 16/10/2015), como incorpora na prosa as novas tecnologias e formas de comunicação, como o e-mail, o iPhone, o iPad, o Facebook, o WhatsApp e outras redes sociais.

Obra do autor dosa ficção e não ficção

A partir das chamadas Jornadas de Junho, que agitaram as grandes cidades brasileiras em 2013, o autor cria um jovem personagem, Majnun, neto de um antigo esquerdista, simpatizante da luta armada contra a ditadura civil-militar (1964-1985), que, a exemplo daqueles que foram às ruas, não sabe bem o que quer nem para onde ir. “Se não fosse a companhia de seu laptop, de seu iPhone e de seu iPad, seu mundo não seria mais do que uns poucos centímetros de chão de cimento rachado”, diz o narrador. Com o pai morto por overdose de droga e a mãe, viciada e psicótica, sem condições para assumir sua criação, os avós de Majnun seriam os seus verdadeiros progenitores,
Apaixonado pela cultura muçulmana, Majnun sonha abandonar a casa do avô e ganhar o mundo, indo de Brasília para Madri e, em seguida, para Granada, à época do 15-M (15 de maio de 2011), movimento de protesto que ganhou as ruas da capital espanhola, e da Primavera Árabe, que marcou a queda de vários regimes ditatoriais no Oriente Médio.
Como um protagonista de romance picaresco, Majnun está em vários lugares, vê o mundo de fora, mas acaba por não se integrar à sociedade. “Aos 20 anos, ele era uma tela em branco”, diz o narrador. Não tinha vocação para se tornar militante político, como fora seu avô. “Não havia mais ditadura contra a qual lutar, e não era suficiente juntar-se à mediocridade, agregar uma pequena peça na engrenagem, corrigir uma injustiça aqui e outra ali, fazer um trabalho de formiguinha, tapar um buraco, consertar um defeito. Sua avó Elvira fazia projetos para prefeituras. Mas ele nunca conseguiria ser prático (…)”.

Romance captura momento político, de incertezas históricas, ruína ideológica e agitação social em meio mundo

II
Encantado pelas fábulas e histórias do mundo árabe e em busca de suas raízes, o protagonista do romance depara-se com o paradoxo multissecular do fundamentalismo islâmico, que, em seus primórdios, assumia a tolerância como comportamento ético, mas que, hoje, dividido por facções radicais, faz da intolerância o seu lema. Por isso, romântico, contraditório e imprevisível, Majnun encarnaria as idiossincrasias da juventude dos dias de hoje. “Majnun é um jovem enfadado com seu cotidiano, que busca preencher seu vazio nas redes sociais. Tem todo um futuro pela frente, que, em vez de alimentar sua utopia, o faz mergulhar inicialmente num pensamento antiutópico, já que flerta com a volta a um passado que nunca vivenciou”, diz o narrador.
Dividido pela atração por três mulheres – especialmente, Laila, casada, mais velha que ele quinze anos –, Majnun, “o homem que amava demais”, envolve-se numa trama densa e sedutora, que atrai do começo ao fim. E que ao mesmo tempo, não só consagra como mostra o perfeito domínio que o ficcionista João Almino tem de seu ofício, ao passar ao leitor uma reflexão sobre o atual estágio político do Brasil deste século em que os jovens não vêem a saída nem o futuro e protestam sem saber o que colocar no lugar daqueles que lhes causam repulsa porque não encontram líderes confiáveis.
III
Não bastasse a erudição do autor, que, de fato, preparou-se para escrever este romance, mergulhando no estudo da história árabe e de sua influência na Espanha de ontem e de hoje, o livro traz ainda um percuciente e esclarecedor prefácio de João Cezar de Castro Rocha, que ajuda o leitor a conhecer os caminhos que o romancista percorreu para construir a sua ficção neste livro labiríntico, ao mostrar que a trama de Enigmas da Primavera “atualiza, ou seja, transforma, a mais divulgada história de amor da literatura árabe, transmitida oralmente e codificada, no século XII, pelo poeta persa Nizami – e, desde então, reescrita um sem-fim de vezes”. De fato, como observa o prefaciador, o protagonista do romance carrega o nome do personagem do poema de Nizâmî ou Nizman ou Nezami Ganjavi (1141-1209), “Layla y Majnún”, que tem um pequeno trecho reproduzido como epígrafe em tradução de Jordi Quingles.
Como se sabe, “Laila e Majnun”, uma espécie de “Romeu e Julieta”, de William Shakespeare (1564-1616), da literatura persa, é um conto folclórico em versos e seu protagonista está associado a um homem que, de fato, teria existido, Qays Ibn al-Mulawwah, que viveu, provavelmente, na segunda metade do século VII d.C., no deserto de Najd, na Península Árabe. Esse poema épico, dedicado ao rei Shirvanshah, com cerca de 8 mil versos, em 1188, tornou-se tema de populares canções, sonetos e odes de amor entre os beduínos ao longo dos séculos.

* Doutor em Literatura Portuguesa pela USP e autor de livros como “Os vira-latas da madrugada”, “Gonzaga, um poeta do Iluminismo” e “Bocage – o perfil perdido”.

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